Poesia na Carne

No Verão e início de Outono recolhia-se lenha
As arcas ficavam igualmente cheias de cereais
Os figos e as ameixas eram secas
O vinho era guardado na adega e provado no São Martinho
Os rigores de Inverno exigiam preparação
As casas eram aquecidas apenas pela lareira ou fogão a lenha
A cama era aquecida com uma garrafa de porcelana ou metálica
Os sacos de água quente surgiram mais tarde
As noites eram frias como as trevas
As mãos criavam frieiras
Os ossos batiam nos lençóis como varas verdes
Muitas ruas eram apenas um amontoado de lama
Um carreiro traçado por uma carroça ou um de raro tractor
As poças de água gelavam como vidro nem sempre quebradiço
Na terra lavrada da vinha os pés sentiam a quebra dos cristais
Do cultivo restava a couve portuguesa para a consoada
O restolho chegava a afundar com a persistência da chuva
Seguíamos na penosisade da apanha da azeitona
Chegávamos a percorrer mais de 4 quilómetros
O meu avô tinha oliveiras em aldeias vizinhas
Tinha dias que seguíamos ainda escuro com a burra carregada de toldos e varas
Era igualmente noite o regresso demorado
Outros dias ficava tudo no olival para depois se carregar
Era eu que conduzia o animal sem o deixar desanimar
O meu nariz pingava no nevoeiro cortante
Usava uma boina castanha que cruzava as orelhas
As férias de Natal eram dedicadas ao desafio da colheita
O corpo seguia podre de moído
Duplicava o odor a oliveira, fumo e suor

José Gomes Ferreira