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Talvez não saibam que o amor aqui na terra
Está num grande vai e vem
Os homens não largam a guerra
Amor só sente falta quem não o tem
Muito se vive da imagem
E da luxúria da vida plena
Que o amor é um rasgo na paisagem
E a pobreza a narrativa de uma falsa cena
Quem vê fotografias não vê corações
A exuberância muito engana
O que importa é amor nas relações
Não a utopia do rico na praia de Copacabana
José Gomes Ferreira
O dia começa curto
Observado pela chuva
Escolhido para início de semana
Trazido na opção do calendário
Todos os dias são curtos quando a ansiedade domina
E os afazeres se sobrepõem à natureza
A própria vida é curta, não se entende tanta corrida
Um dia tudo pára e fica apenas uma história para contar
Tanta luta e tanta competição não valem nada
Valerá a pena se sobre nós ficarem duas linhas
E se formos motivo de saudade e conversa
Até lá só a leveza mostra o caminho
E só a empatia é digna de atenção
José Gomes Ferreira
Nestas coisas do clima
Está difícil avançar
Tem quem se ache acima
E quem não queira acreditar
Não acredito nas conferências
Onde se vão todos lambuzar
Não atendem as emergências
Querem por essa conta viajar
O problema é muito sério
Coloca em causa sobrevivência
Não é coisa para impropério
É para respeitar a ciência
Não é um problema dos outros
Todos temos responsabilidade
Também não podemos ficar neutros
Está em causa o futuro da Humanidade
José Gomes Ferreira
Na minha aldeia está o sonho e a saudade
As mulheres que completaram a família
O vento agreste de Inverno a cortar a paisagem
O desenho da névoa da manhã a esconder os passos andados
A Torre e a Serra a alcançarem o destino
Da minha aldeia observa-se o mundo
Não me doam os pés e a fantasia
Viajo tanto pela minha aldeia que a memória não se cansa
José Gomes Ferreira
Diz-me o que fazer aos pecados por obediência
Os que transgridem os pilares da civilização
E são defendidos como dogmas em verdades absolutas
Diz-me o que fazer a quem decide as guerras
Talvez dar-lhe a beber o sangue dos inocentes
Quem sabe mutilar as certezas das vitórias
Diz-me o que fazer ao ventre do Planeta
Rios que matam, heranças que somem
Corações que batem por competição
Na felicidade que não passa de um orgasmo
Diz-me o que fazer à obsessão pelo sucesso
E como compatibilizar a salvação e a fraternidade com a angústia da trajectória incessante
Diz-me como amar o próximo se os teus deuses competem e os fiéis exploram a alucinação
José Gomes Ferreira
Os teus olhos fazem-me lembrar a geada que cobre os campos verdes da aldeia
Tão belos e tentadores na consequência da invernia
Os teus beijos dissipam a névoa que cobre a correnteza do rio e bloqueia o horizonte
Deixo que a imaginação eleve a atracção
As tuas carícias são a minha subida da montanha
Lembram a fogueira de rama de oliveira
O calor no tilintar de folhas a arder e a quebrarem o gelo
O teu amor será utopia durante os próximos séculos
Venero a tua beleza como quem escuta orações
No crescer de êxtase pela concepção de reciprocidade
Absorto e em total concentração
Peço apenas para largar as tuas mãos
E adormecer de costas para os teus seios e o teu respirar
Ignoro as paredes e toda a pressa de viver
O brilho mais intenso chega ao percorrer o silêncio no compasso
O instante em que perfazemos um só mesmo sem as palavras nas escolhas
José Gomes Ferreira
As redes sociais estão a transformar-se na metralhadora sem cravo que o 25 de Abril rejeitou
Dar voz aos omissos não é necessariamente sinónimo de pluralismo
Quem sempre ouviu o padre e o professor autoritário obedece por vocação
É especialista no jogo da bola e no arremesso da malha
Avança como o rebanho atrás do pastor
Não questiona os desvios e a ansiedade da chegada
As metas não se atingem por virilidade particular
Desenvolver o país envolve diálogo, respeito e construção na caminhada
Quem tem pressa em chegar percorre muitos trilhos sem nunca cruzar a meta
José Gomes Ferreira
O amor não é um portfólio de canções
Nem manequins a espreitar portas abertas
Uma idosa a descobrir a aragem através do postigo
Também não é um semáforo na avenida
Ou uma passagem para a Lua a dizer que te amo
O amor é a utopia dos sonhadores
A dedicação dos jardineiros no seu ofício
A gratidão humana que interlaça a fraternidade
O amor é a vocação dos desocupados
O sonho humilde de quem não desiste
O brilho sincrético de quem compreende e é escutado
José Gomes Ferreira
Coloco os pés na terra seca e quente
Percorro planícies e montanhas
A lembrar o peito e ventre despido
A carícia de uma mulher que é a própria vida
As flores do carinho também são silvestres
O amor que arrepia não apenas escuta
E cobra pela inclusão das trovas da alma
Não é como espuma deixada na areia
Todo coração vai para além do querer
Também não roga aos pecados do desejo
Procura a ligação sideral por entre olhares
E transforma a saudade na narrativa da paixão
José Gomes Ferreira
Coloquei o teu nome numa folha
Com a seiva dos dias de Outono
Deixei a folha para o vento
O meu coração também estava escrito
As minhas mãos tocaram a voz
E pintaram as letras em harmonia
Gravei o teu nome no pensamento
A folha voou para além da observação
O teu nome ficou para a posteridade
Quem ama deixa a memória livre
No efeito da paixão por seleccionar
Tem fenómenos que esquecemos
E amores que não voltam mais
O que importa é o que partilhamos
Não as ilusões sobre a paz e o enredo
José Gomes Ferreira
O capim tem cor de fome e vidas sofridas
Percorro sítio a sítio, repito perguntas e aproximações
Vejo a repetição de bonitas cadeiras nos alpendres
Obras de ferro moldado pelo homem
Assisto também aos episódios da vida
Alguns regados a café, água ou sumo de fruta
Alguns misturados com a vaidade da conquista
Outros com a esperança arredondada dos laços
O que mais me impressiona é a resignação
Trocada pela vontade em duplicar o sucesso dos herdeiros
Gestos que incluem frustração sem mágoa
Moldados no esforço de uma vida melhor para os outros
Como o espelho do orgulho de transformação da família
A catarse do sentimento sobre o sonho a transmitir
A dificuldade em ter lugar de fala aceite com orgulho
Entregue à humildade em ceder a fala aos descendentes
As pessoas podem ser brutas no génio e capacidade de expressão
São de grande beleza ao reconhecerem a destreza das suas crias
E de grande dignidade ao reforçarem qual deve ser o caminho
José Gomes Ferreira
Viajo ao instante profundo da solidão dos povos
Tem gente na margem do rio sem água
E à beira da estrada sem nunca pisar o alcatrão
Tem gente vizinha da padaria sem nunca provar o pão
E a dormir na mesma cama sem nunca se beijar
Viajo no instante e no motivo
Não levo fortuna, nem a boa nova
Chego de rosto transparente
E vontade em escutar novas lições
Acolher as histórias de vida com eloquência
São os romances reais e concretos
Uma mistura entre o brilho dos olhos, o vivido e o narrado
Não levo nada para retribuir
Apenas o gosto firme da atenção
Ficamos ricos quando escutamos outras trajectórias
A vida não se faz apenas de conceitos e teclados
Tem muita alma que rejuvenesce ao ser ouvida
E muito coração que sonha no acto do relato
José Gomes Ferreira
Depois de subir à montanha
O que importa é recuperar a condição
Respirar fundo e contemplar o horizonte
Estabelecer forças e continuar viagem
Mesmo o Sol pequeno ilumina a esperança
O que conta não é apenas a soma das etapas
E a frugalidade das conquistas
É o desenho que fica no mapa do coração
E a empatia que se granjeia na trajectória
O que nunca esquece é o sorriso e o agradecimento
Tudo mais são apetrechos e energia em recorrência
José Gomes Ferreira
O bom trato é a veneração dos humildes
Aqueles que aproximam as palavras ao sentimento
Com os olhos cheios de luz para agradecer ao universo
E que juntam generosidade às expressões do acolher
Foi de gosto é a sacralização da deferência sobre a tradição
A narrativa do gesto prazeroso de receber
É a alma pura a querer retribuir sem dívida
A fazer-se devedora de graças insistindo em escolher a delicadeza
Recorrendo à sensualidade do gesto para que os visitantes não partam de coração vazio
José Gomes Ferreira
Sem certezas e sem ouvir a tua voz
Os instantes passam na lembrança
Como abraço que envolve e não chega
Corpo de serpente e sonho perdido
Sem o sentido e a glória
Mas com a honra de amar vivamente
Esquecendo o interesse
E o uso público de cada relação
Olhar para trás não seduz
Nem apoquenta a moralidade
Mudamos de corpo e sentimento
O que importa é o desvio imaculado
Caminhar tem sempre uma razão
Mesmo que cuspa na sobrevivência
E sugira mudar a ambição postiça
E as frases que em nós não têm perdão
José Gomes Ferreira
Pior que o futebol e a flatulência de carácter
A política e a religião vão desfazer laços
Vão fechar portas e erguer barricadas
Outrora eram fóruns de debate e comunidades de crentes
Agora são o espectro dos contrários
As cores de quem se opõe aos nossos pensamentos
Não sei como viemos parar aqui
E como esquecemos a fraternidade e a tolerância
A educação apenas escolheu melhor os profetas
Parece não ter efeito sobre a normalidade
Da resignação estamos a passar à brutalidade das convenções
E às certezas de uma minoria
Sem nenhum de nós participar da construção do argumento
José Gomes Ferreira
O problema não é o louco ter certezas sobre o mundo
Será sempre sobre o seu mundo sem a pressa da felicidade
O problema é o justo deixar de ser ouvido
Mesmo que na sua medida tenha uma leitura cabal das soluções
Quando a propaganda se sobrepõe o que conta não é o conteúdo e a escolha do argumento
É a metamorfose dos alicerces quando substituída por pigmentos
É a voz a falar mais alto a confundir-se com a razão
E o dogma a ganhar terreno à revisão crítica das discussões
Se a fala é absoluta resta aos pregadores educarem as multidões
Tudo mais é obediência à indefinição suprema
José Gomes Ferreira
Tenho um beijo guardado na gaveta
E mais dois no coração
Amor não me julgues pela caderneta
Pois sou também bom cidadão
Tenho alma de gente pura
E muito boa educação
Amor não me procures pela fartura
Eu não correspondo à tradição
Tenho muito amor para dar
E uma vida para construir
Amor não me digas como devo andar
O que importa é se me vou distinguir
Tenho em mim toda a esperança
Mesmo sem a fé dos ancestrais
Amor vamos agir com segurança
E explorar os nossos dons naturais
José Gomes Ferreira
Junto as recordações ao meu corpo
Rebolo e indago a satisfação
O que posso fazer para capturar o teu sorriso
E adormecer enquanto entoas a verdade
O que posso mostrar para brilhar tanto
E ao mesmo tempo venerar o universo
Amo o teu sonho
Mesmo não completando o meu
Mesmo que permaneça fora do meu alcance
O que poderei fazer para articular as utopias
E mostrar que outro mundo é possível
Amo o teu exemplo
Mesmo que nos limite na aceitação
E deixe ao perdão a escolha da fé
José Gomes Ferreira
Eram cruzes e marcos
Amores proibidos
Heranças não concretizadas
Negócios falhados
Maus olhados ou invejas
Algum empréstimo não pago
A terra por desocupar e devolver
Tudo havia para as pessoas não se falarem
Eram bloqueadas da rede real
Assim andavam anos e décadas
Na rua cruzavam-se no desvio para cada lado
Não adianta romantizar, nem criar imaginários
Esse tipo de divergência não partia para a luta
Era dor forte a dilacerar o orgulho
José Gomes Ferreira
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