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Vem comigo escolher as estrelas
Sem medo de as classificar
E sem medo de sorrir por se perder ao contar
Vamos juntos chamar o desejo
E apelidar de sedução o silêncio
Contemplando tudo o que for comum
Vem comigo murmurar
E falar de amor sem activar os tabus
Nem usar a fuga do corpo para fingir
Vem comigo mexer no ventre da esperança
Juntos vamos cativar as noções
E elevar a empatia ao princípio da verdade
Esquecendo a desproporção e a guerra
Vem comigo abraçar a normalidade
E sentir como é boa a união
Aceitando querer ficar assim
Na frase que narra o encanto e o instante
Em que a opinião é de quem a vive
E a reproduz com o brilho da alma repercutida
José Gomes Ferreira
O Sol tem a sua hora
Mas também tem a sua energia
A maré nunca demora
Rima com nostalgia
O passo do vento é da natureza
Nas ruas estreitas da aldeia
Onde tem paz tem beleza
Felicidade pode ser amor à luz de uma candeia
É no rosto das velhas que guardo a minha história
De tanto ensinamento e gratidão
Mantenho viva não apenas a memória
Quando igualmente as funções do coração
As minhas rezas não são orações
São o recordar do quotidiano
É a vida nas suas várias dimensões
O rosto ainda sem o passar do pano
Toda a veneração vai para a Serra
Estrela de seu nome e abraçada pelo rio
Se guardo amor é pela minha terra
No Mondego corre água em qualquer horário
José Gomes Ferreira
Lá em casa havia luz desde que nasci
Ao mesmo tempo um poste foi colocado para iluminar a rua
Dizem que no meu baptismo acabou-se a escuridão
Ainda assim não faltavam candeias a petróleo
Na casa de vizinhos e familiares só havia candeias
Tinha umas de vidro para usar na sala e no quarto
Na cozinha era uma velha candeia carregada de pó
Era de metal e apresentava o pavio redondo
A escuridão só não era total por existiam almas de luz
A lareira e a candeia era o ponto de encontro
Lá em casa o frigorífico foi comprado em 1977
Era ainda um electrodoméstico raro
Na última viagem em vida a Portugal o meu pai fez questão de adquirir o aparelho
Já existia um rádio clássico oferecido pelo meu tio
A televisão surge como que a abrir o novo ciclo de orfandade
Em tenra idade escondia-me atrás da porta do café da aldeia para ver Westerns
Mais tarde acompanhei a Revolução dos Cravos na televisão dos vizinhos
Com a perda prematura do meu pai a minha mãe, ainda emigrante, comprou uma televisão lá para casa
Marcou sobretudo as noites e os fins de semana, com contenção na hora e na responsabilidade
José Gomes Ferreira
Chegou a noite e o país continua às escuras
Todos dizem conhecer as causas
Ninguém sabe a origem do problema
A euforia é maior que a necessidade
Foi grande a corrida ao supermercado
Compraram atum, bolachas e papel higiénico
Ninguém me engana, mas tiveram receio de faltar a cerveja
Quem sabe quiseram abastecer de lenços de papel
Pois tanta irracionalidade gera choro e riso
A União Europeia tinha pedido para se prepararem para 3 dias
Provavelmente pensaram que era para 3 meses
No lusco-fusco estrebucham
Relicham na paciência das estrelas
Já todos tomaram a hóstia
Que deveria significar comunhão
Mas tem tanta fé que é rotina
Sem chegar a mudar o destino do vento
Reagir com calma parece ser o contrário de crise energética
A nossa dependência é pelo falso afecto das máquinas
Perdemos o sentido de uma reacção em prol do bem comum e paz social
José Gomes Ferreira
São muitas promessas e juras
Receios de que se conheça o coração partido
O que for não mora no nosso quintal
E a saudade pode ser mais do que o já vivido
A imaginação terrestre da protecção
O vínculo aos ancestrais e à memória
O repouso no orgulho quando falamos da nossa terra
A identidade que pulsa com o sangue
Temos muitos portos seguros para além dos laços
Onde nascemos pode reivindicar a realização do parto
E a gravação das primeiras vivências
Histórias que repetimos e cruzamos vezes sem conta
Guardamos tudo dos primeiros anos
Da importância do lugar de nascimento e crescimento
Corremos mundo, facilmente nos encantamos
Mas a origem é sempre a nossa fonte de inspiração
José Gomes Ferreira
Ouço vozes na minha cabeça e ainda não enlouqueci
Vejo imagens repetidas e ainda estou consciente
Também mantenho o paladar da esperança
E sinto o aroma dos dias de Sol e céu colorido
O próprio pensamento e a imaginação não sacodem apenas os cabelos na praça
Também o tacto continua activo
Deixa-se beliscar pelas forças da natureza
Até na distância dos transeuntes se despertam os sentidos
Significa apenas que ainda estou no exercício das minhas faculdades
E a cidade não dá por entregue as suas batalhas
A brisa fresca arrepia o corpo de encanto
O movimento de domingo é suave como sonho
Mantenho igualmente a consciência face à vida
Assim como face à infinitude do desejo e do conhecimento
José Gomes Ferreira
A minha luta tem sido de abnegação e gratidão
Não é a materialidade que define o que entendo por felicidade
A memória e o carinho sim
Trazem muitas alegrias e escrevem uma história que se cruza
Corremos tanto na ânsia de uma vida melhor
Mas também de tornar nobre a nossa passagem pela história
E pela existência de quem nos cruzamos
Por vezes esquecemos as nossas fragilidades
Expostas em alertas que nos assustam e pedem mudanças
É nos momentos mais difíceis que sentimos não estar sós
O que comprova a importância dos laços e da empatia
Apesar do enlouquecimento do mundo a empatia ainda é uma qualidade humana
Só tenho motivos para me sentir feliz
As aflições passageiras são a face dada na corrida desatenta
O que realmente é maravilhoso ajuda-nos a vencer
José Gomes Ferreira
Viajamos mais quando estamos mais frágeis
Tomamos todas as geografias e hierarquias
Não nos sai da cabeça o equilíbrio dos jograis
Nem o vento que arrefece as madrugadas
A pele também arrepia de incerteza
O olhar desvia-se por todos os lados
Quase enlouquecemos de tanto bater o coração
E nos desenvolvimentos que abrem e fecham as portas
Os sonhos saltam os parapeitos e as histórias de crianças e adultos
O amor é a utopia maior do rumo a definir
Aromas e estreias saltam avenidas
São também as memórias que pululam de virtudes
Os abraços trocam a noite e o movimento
Queremos muito parar quando as frases não se calam
José Gomes Ferreira
O 25 de Abril não foi cancelado
Na verdade já tinha sido suspenso
Qualquer acto democrático foi suspenso
Nós é que acreditamos que só acontece lá fora
E que as intenções das redes sociais não são verdadeiras
Mas tudo estava já suspenso até próxima autorização
Difícil é saber quem assinou a ordem
Tantos anos e tantas lutas acabam agora sem glória
Assumindo o golpe contra a liberdade do regime
Quando se desdenha muito de um sistema não é por ser ter alternativa
É apenas para impor ideias contrárias à maioria
Só o povo na rua pode mostrar que não nos enganam
O problema não está nos defeitos da ideologia
A democracia vai para além de um partido
Mostra o quanto o povo deve trabalhar para construir o seu futuro
Não se derruba por decreto ou cancelamento de favor
O povo não se pode deixar iludir por promessas
A liberdade não se alcança sem esforço
José Gomes Ferreira
Talvez esta tenha sido a morte de um Papa que mais reacções gerou
E nada se deve necessariamente à circulação da informação
Francisco tinha muitos apoiantes
Mas também foi nomeado num momento crucial
Teve dificuldade em lidar com casos difíceis, designadamente de pedofilia e corrupção
Não foi capaz de elevar as mulheres ao sacerdócio
Apesar da nomeação para importantes cargos
É provável que os seus opositores estejam a preparar a sucessão
Francisco foi um importante representante da América Latina e dos Jesuítas
É uma pena que a Igreja sempre tivesse ignorado a Teologia da Libertação
Que não era mera marca marxista a reconhecer os mais fragilizados
O Papa tentou reinventar a luta, não lhe faltaram acusações de comunista
Entretanto proliferaram Igrejas em busca de voto e luta
O cristianismo nunca será mais o mesmo
Os piores inimigos são os próprios católicos
Acantonaram-se nas barricadas de propostas que destratam a Humanidade
E para esse grupo tudo se reduz a comunismo
Defender a dignidade da vida, rejeitar o ódio e a guerra é tudo comunismo
Francisco fica na história, mas os seu ensinamentos vão ser rapidamente esquecidos
Falam que seria bom um Papa africano ou asiático
A grande probabilidade de ser eleito um cardeal conservador é a que mais se destaca
José Gomes Ferreira
Amor é o que destino sugere
Relação é a correspondência que alcançamos
Sentimento é o afecto partilhado
Reciprocidade é a vida que faculta
Depende do gosto, respeito e cooperação
Amor como paixão não é utopia
Porém, corre o risco de passar rápido
Ser mera ressaca da atracção
Podendo ser igualmente a luz desejada por muito coração
Amor por arrasto é comodismo
É mero encosto familiar dos amantes
Amor com amizade cumpre todas as virtudes
Precisa ser construído no quotidiano
Amar não é só da boca para fora
É escolher o destino sabendo que não é apenas o nosso
Amor não é um projecto, é uma vivência que dá frutos
José Gomes Ferreira
A Páscoa na minha aldeia não termina no Domingo
Os dois dias seguintes sempre foram motivo de festa pagã e religiosa
Entre as tradições do povo e o proclamar da Ressurreição sempre teve uma linha tênue
Outrora os grandes arraiais atraiam milhares de visitantes
Eram tardes e noites de glamour que não se repetem
Era assim que o povo se divertia e reencontrava
Infelizmente destas festividades resta a memória e algumas imagens
A Segunda-feira continua a ser usada para o beijar da cruz
O chamado compasso em outras localidades
Esse momento era particularmente emotivo já que juntava familiares que vinham para o baile nocturno
A mesa poderia ser simples, mas tinha sempre queijo da Serra da Estrela e pão-de-ló cozido durante a semana nos fornos da aldeia
Na Terça-feira celebra-se o dia da padroeira, Nossa Senhora da Tosse
Após a missa a saída da procissão pelas ruas da aldeia exorta à identidade e brio pela pertença
O cortejo é sempre acompanhado por uma banca filarmônica da região
Diversas mulheres carregam oferendas para leiloar no final
Ainda se podem ver algumas janelas do percurso engalanadas a preceito
O leilão realizado no final é um momento ímpar
Simboliza também a gratidão face ao que a Natureza pode dar
E como se reencontram crenças e esperança nos laços entre os habitantes
José Gomes Ferreira
Nos últimos dias o corpo decretou paralisação geral
Os sentidos saíram da rotina e da compreensão
O corpo fez um esforço para não abdicar do movimento
A comida começou por ser um traço de rejeição
A tosse repetida não se escondeu
A imaginação deixou de voar e encontrar a memória
Só o silêncio da alma se escuta na incapacidade de locomoção
A escrita atrasou-se nas etapas a cumprir
De um momento para o outro ficamos tão frágeis sem saber como
Algo tão pequeno e imponderável deixa-nos sem forças
Mesmo que a vacina fosse uma prioridade
Tudo faz parte da existência, o que importa é a superação
José Gomes Ferreira
Não forcem as minhas atualizações
Nem a minha necessidade de informação
Não me ofereçam soluções fáceis
Nem me mostrem os atalhos
Irritam-me os modernismos
A vida presa nos resultados das máquinas
Ensinem-me a desligar a inteligência artificial
E a encontrar pessoas com encanto natural
Não me apresentem conclusões sem saberem como fizeram
Não quero casas começadas pelo telhado
Nem relações com início na paternidade
Tudo tem o seu tempo e momento
Eu gosto de conhecer como as coisas são
Gosto de duvidar e caminhar
O facilitismo expõe o fetichismo do sucesso sem esforço
Eu quero suar, beijar e amar
Não quero pressionar nenhum botão e ter tudo disponível
José Gomes Ferreira
Tem muita gente selecta
Que gruda em poltrona de avião
Pensa ter categoria para atleta
Quando ainda é apenas embrião
A vida é feita de muitas escolhas
Não podemos fingir se não chegamos a ser
O facto de se ter muitas folhas
Não significa que temos muito para escrever
Tem muitos que pensam que se vão salvar
Por levarem a vida avantajada
Só que a prioridade não for amar
Tudo mais não vale pouco ou nada
Corremos tanto para sermos iguais
Que qualquer semelhança é atropelo
Uns são ricos e outros intelectuais
Uns são carecas e outros têm cabelo
José Gomes Ferreira
Nunca aderi ao celibato
É uma condição temporária
Em boa verdade nunca aderi à fé
Muitos menos aos ditames da conversão
Também nunca aderi à multidão
Estou no meio dela para sobreviver
E reconhecer o silêncio na melancolia da saudade
Nunca aderi à mordomia
Mesmo que não use a linguagem da revolta
Nunca aderi à moda e ao gosto dos outros
Não sacrifico a minha sensibilidade e imaginação
Nunca aderi à antipatia
Fujo da reflexividade das frustrações
Nunca aderi à violência e ao ensaio das armas
Acredito no diálogo e capacidade de construção
Nunca aderi às facilidades que me dizem existir
Sigo obstinado diante dos desafios
Aderi ao Sol, à Lua e a todos os encantos da natureza
Pois essa é também parte de mim e eu dela
Aderi à esperança, empatia e subtileza
Nelas está o poder de reconhecimento e transformação da Humanidade
José Gomes Ferreira
Chego a olhar para saber as horas
O calendário da vida não pára
O meu coração escolhe a adolescência
O corpo faz fincapé nas marcas da idade
Acho tudo no contexto preciso
Além da maturidade dos sentimentos e reflexões
Após 60 anos a leveza atinge o seu estatuto
Parece que atingimos a vida eterna
O ponto de viragem que não beneficiou os antepassados
Ainda sentimos viver em plena juventude
Mesmo que aparato e aparência tragam outra realidade
A beleza do envelhecimento está na consciência do caminho
E na felicidade de muitas conquistas
A rebeldia é a do argumento e realização
O sonho e a luta continuam presentes
Mesmo que o amor seja uma virtude dispersa
A observação e o silêncio são um bilhete para o equilíbrio
As únicas corridas são as do riso da alma
José Gomes Ferreira
Silêncio é consentimento
O princípio aplica-se a tudo
À repressão dos estados sobre os cidadãos
Ao egocentrismo dos agiotas e dos totalitários
À destruição da natureza
À violência de género, política, religiosa e de raça
Ao devaneio de vizinhos e similares
Precisamos sempre de reagir, o que não significa desordem
Não podemos simplesmente cruzar os braços
E aceitar como atenuante o argumento "Ele é assim, deixa para lá, dá-lhe desprezo"
O silêncio por resignação fere gerações
Deixa rostos marcados e medos prolongados
José Gomes Ferreira
Tantas vezes o amor é um rótulo de classificação
A utopia clássica em que ambos vivem felizes para sempre
Sem que se experimentem no quotidiano e no desejo
Sem mesmo que se encontrem na existência fora da idolatria do romance
Fora da individualização do sonho e das representações sociais
Esse é um amor de fantasia e anseio
Não se pode concretizar sem espelhar o outro
Sem reconhecer o outro na alegoria do sentimento
O amor é mais do que a narrativa das sobrancelhas
O piscar do olho à imaginação e ao empurrar cósmico
Necessita de se alcançar através do afecto e da reciprocidade
O amor não é o que eu quero ou o que tu idealizas
Também não se reduz à formalização do enlace
Amor é sentimento baseado no vício da sintonia
A soberania da vontade expressa na sedução dos gestos
O prazer, o fluir e o cuidar em concluiu com a felicidade
José Gomes Ferreira
Sou natalense nascido com 51 anos
Sou paraibano nascido com 59 anos
Não renunciei à minha identidade e laços de sangue e afecto
Nasci de parto natural na minha aldeia
Fiz-me gente junto dos ancestrais
E no labor da vida em transformação
Guardo amizades sólidas junto da família
O meu coração não deixou a Serra da Estrela, nem o serpentear do rio Mondego
Também não deixou as lajes e as ruas de granito
Nem abandonou a memória e a saudade
Cresci quando cheguei ao Nordeste
A cada dia refaço-me nos desafios e contrariedades
Voltei a ter esperança na Humanidade e a querer salvar o mundo
Talvez sonhe para além da utopia capitalista do lucro
Aprecio a generosidade da transcendência
A luz solta por quem não tem nada, mas multiplica-se
E abraça de lágrimas a virtude da compaixão
José Gomes Ferreira
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