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Os olhos tocados pela luz
No cruzar que só as íris sabem
Os lábios para alegrar o consolo
Com sabor a mel e querer
A alegria de viver tão simplesmente
O ritmo com que bate o coração
No ventilar prematuro do prazer
A própria dança dos propósitos
Sedutora mesmo com o corpo suspenso
Assim comunicam os amantes
Antes de o saberem e do toque que arrepia
O silêncio manifesta atracção
Os beijos amassam o medo
As palavras encurtam-se
Comunicam com suor e saliva
Gestos que repercutem o encontro
O sopro no ouvido que fantasia
As frases sobre ditas sem verbo
O destino encontrado mão na mão.
José Gomes Ferreira
A memória ergue-se como o mais alto padrão de liberdade e de reconhecimento
Não existe afecto sem memória
Não cativamos a imaginação sem memória
Não sorrimos com a alma sem memória
A memória é a metamorfose dos dias levada ao coração e à narrativa
É o elevar geracional multiplicado
A fecundidade das vivências trazida na soberba da felicidade
É o conhecimento interior na difusão da luz
E o reforçar dos laços na reprodução das histórias
O lugar para novos diálogos e momentos
José Gomes Ferreira
O dia apresenta-se pleno de luz
O Sol surgiu altaneiro e brilhante
Rei na sua tribuna
Quente para embalo do corpo
O silêncio é mais belo nos prazeres diurnos
Escutam-se apenas os murmúrios de sábado de manhã
Um rasgo de canto de pássaro na fiação
Uma conversa entre vizinhos passa em rodapé
Tudo mais reduz-se ao clarão dos elementos
E à paz que conforta os afectos e as formas
O mundo anda num alvoroço descomunal
O coração necessita de apaziguar a existência
Não podemos viver numa redoma
Mas podemos dar significado aos instantes que objectivam o equilíbrio
Filtrando os pensamentos e a claridade
Fugindo ao disputar de argumentos das notícias
Usando todo tipo de antídoto para o veneno das narrativas
A única coisa que interessa nesse recorte é abraçar a saudade
Sonhar com os olhos postos no horizonte e na fraternidade
Escolher na imaginação o repouso das corridas
Acolher as carícias guardadas nas intenções
Embalar o prazer masculino da reciprocidade e da justiça
José Gomes Ferreira
O que mais custa na emigração é não vermos os nossos envelhecer
A ser crianças na idade da vida completa
A fecharem o ciclo sem a mostra física do nosso coração
Com a agravante das alucinações de quem está de fora
Tem quem rebata meramente a culpa
Sugerindo que nos isentamos do cuidado
Como se estivéssemos escondidos na distância
Desconhecendo que toda a vida tem luta
E que não podemos abdicar do nosso caminho
Temos obrigações e contas para pagar
Assim como os desafios que resultam dos ensinamentos
A dor é maior na saudade, quem passou por isso sabe
Sendo que mesmo longe não deixamos de ser filhos ou netos
Tem momentos em que nos ligamos mais que quem está ao redor
É tão falsa a ideia "ele está para lá, não quer saber"
Nunca se deitaram na preocupação dos afectos
Nunca viajaram nos pensamentos e inquietações dos deslocados
Não sabem o que são lágrimas movidas pelo vento
Trazidas até no sonho da glória do já vivido
José Gomes Ferreira
Não qualifico a minha poesia
Pouco importa se é boa ou se é má
Também não a uso para enviar recados
Nem para revelar paixões
Não é igualmente lugar de desabafo
O repelir os constrangimentos da vida
É o instante para provocar a memória e definir a lucidez
Esse é o seu papel fundamental
Reler as lembranças com novo olhar
Encantado pela beleza que guardo da fruição
E estimular a interpretação dos dias com clareza e objectividade
Evitando cair na aceitação da regularidade
A opinião expressa sujeita-nos ao reconhecimento público
Pode estimular o conflito na divergência de crenças e afirmações
A poesia não abdica de assumir uma posição
Porém, provoca o leitor a encontrar a mensagem trazida na estética
Ainda assim não é um simulacro
Quem possui os códigos apropriados conhece a narrativa
E movimenta a observação e a imaginação
José Gomes Ferreira
Gambiarra era um arranjo para dar luz
Um ligação directa na instalação
De bocal e lâmpada de verdade sem rasgar a parede
Que ligava e desligava como candeeiro
Um simbolo de pobreza com requinte
Era quase um aparato de ostentação
Os mais pobres ainda usavam a luz da candeia
Tinham o pavio fraco para poupar combustível
Eram obedientes no romantismo da atitude
Havia beleza na diluição lenta dos dias
A competição não era pelo lucro e sucesso
Havia o exagero da identidade e pertença
Poderia levar à morte na honra dos amantes
E na disputa por água, terra e madeira
Entretanto, sumiram as pulgas e os percevejos
Outrora as camas eram de palha de centeio
Retorciam o corpo e deixavam crescer todo tipo de insectos
Havia beleza expressa no cuidado
O que não impedia a marcação do corpo ao amanhecer
Mordido pelo sugar do sangue para exposição
Muita coisa se perdeu para além da memória
Perdeu-se a estética da emoção
Toda a paixão é momentânea
Até os aliados buscam apenas benefício
Também se esqueceram as dificuldades
O que motiva um saudosismo ignorante
Uma cartilha fora do alcance de quem passou necessidades
José Gomes Ferreira
Não é necessário recorrer a alucinógenos
Na velocidade dos dias cai a memória
O amor cai no esquecimento
A honra descamba na necessidade
Qualquer virtude é chapada na parede
A liberdade sai das prioridades
Ficam apenas rabiscos de afecto
E o gosto sóbrio por beijos intensos
Até os dogmas são histórias passadas
Nada será como antes se o mundo corre
Vencer na vida é escolher o caminho da sobrevivência
Tem novas drogas aceites que nos transformam
Não é apenas a subserviência capitalista
Nem o recrutamento feudal dos soldados
É o escrutínio da própria consciência
O medo de fazer uso da palavra
A fraqueza de se descobrir na surpresa
Recear enfrentar a repetição conservadora
Criticar a divisão progressista das utopias
Sorrir frente às conquistas e tradições
Replicar o gosto adverso pela natureza
José Gomes Ferreira
Deixa o Sol dançar no infinito
Tão lindo que a Lua se encanta
Com tantas luzes ao redor
É subtil e charmoso nos passos
Deixa o Sol aquecer os corações
E verificar a beleza da existência
Como prece que corre o universo
E paixão que reflecte sobre os rostos
Deixa o Sol abandonar a letargia
E a viagem taciturna dos combates
Que siga o seu destino
E se mantenha no semblante da vida
Deixa o Sol flutuar sobre as nossas cabeças
E manter a nossa imaginação
Através dele apontamos novos destinos
E recuperamos dos dias que mais correm
José Gomes Ferreira
Nem sempre o silêncio é amigo da letargia
E mostra ser incapaz de obedecer aos cânones
Nem as escolhas revelam a inércia dos dias
Tem ribanceiras que parecem estradas planas
E cidades em pleno movimento com dinâmicas bloqueadas
Tem também o gosto macio das palavras
E a vantagem rosácea da Primavera
Que chega como nova alvorada na vida de quem acredita
O coração nem sempre se esconde
Gosta da paz que bombeia o sangue em suave fluxo
Tal como gosta da brisa do vento maduro
Mesmo que alguns dias sejam de espelhos a gotejar
Deixando nos olhos a incerteza das decisões
Nem sempre o silêncio é amargura
Tal como a felicidade não esconde decepções
O amor chegará nas pálpebras com promessas matinais
E marcará cada abraço com a certeza de se repetir
José Gomes Ferreira
Nem tudo são valores
Tem muita conveniência
Contando os falsos amores
E a falta de paciência
Liberdade é ser escutado
E devidamente reconhecido
Se todo mundo fica calado
Quem se expressa fica de castigo
As pessoas são desconfiadas
E ignoram qualquer reflexão
Adoram ser mal informadas
Para dizerem que seguem o padrão
Estranho rumo o da descrença
Em que todos dizem ser fiéis
Têm inveja de uma boa avença
Ignoram os dedos, querem os anéis
José Gomes Ferreira
Francisco não abdica
Fica moribundo na sua cadeira
Talvez mereça esta dica
Expor o sofrimento é asneira
A Igreja vive dessa tradição
Quer repetir o sacrifício de Jesus
Só que crente necessita de atenção
E não de mais um simbolo morto na cruz
Assim cada crente fica aflito
E reza pela saúde do (representante do) Senhor
Porém pode estar em conflito
Com a mensagem que deve ser de amor
A Igreja necessita ser renovada
Não apenas com nova liderança
É urgente que também seja considerada
Uma Igreja que seja motivo de esperança
A crise não é de vocações
É de obediência e hierarquia
Faltam as mulheres nas celebrações
O celibato não pode ser mais guia
José Gomes Ferreira
A água não é apenas líquido para beber
E dar vida à fauna e flora que conhecemos
Definindo os biomas e as paisagens
A água é símbolo sagrado e profano
Parte dos elementos da Humanidade
Liga e religa os seres
Gera fluxos e fruição
Instantes de felicidade e fé
Limpa o corpo de impurezas
Celebra também a purificação do espírito
Está no baptismo e no acolhimento
Sacia a sede, sugere contemplação
A água é a expressão do divino
Catarse da natureza e imaginação
Esplendor da evolução e da existência
Por ela se disputam guerras
Nela encontramos paz
A água é um direito humano
Fonte de inspiração e liberdade
O pulsar do planeta sentido em cada gota
José Gomes Ferreira
A água não é apenas vida
É também a minha história
Não dou a infância por perdida
Tenho muitas vivências na memória
Não tínhamos água em casa
Íamos com os cântaros à fonte
No Inverno ou com o Sol em brasa
A protecção era da linha do horizonte
Tirei muita água do poço para a rega
Por vezes usando a força dos braços
O que cá entre nós era uma grande esfrega
Dependia da profundidade dos poços
Também assisti a muita disputa
Por água pura da nascente
A partilha era antecedida de luta
As mulheres seguiam sempre à frente
Lavei muita roupa no tanque
Tomei banho numa simples bacia
Chamei poça a um pequeno dique
A casa de banho veio com a democracia
Nem toda a água era benta
Apesar da aparente pureza
Para brindar não era suficientemente corpulenta
Da qualidade não havia certeza
Não esqueciamos os animais
Que de água eram também precisados
Havia um bebedouro nos quintais
Água é também lembrança dos antepassados
José Gomes Ferreira
A poesia e a razão escusam-se mutuamente
Ao mesmo tempo vivem de mão dada
Chamam o coração a expressar-se
Assobiam-lhe ao ouvido com a beleza do mundo
Encantam as vozes litúrgicas da paixão
Observam a água no regaço das manhãs
Cumprimentam o Sol e o vento
Sobem ao altar na definição da verdade
Porém vivem uma relação com separação de bens
Reprimem a obediência e o silêncio como sacrifício
Respeitam-se na forma que o corpo lhe dá
São a luz da própria luz
Completam-se sem se unirem
São céu e terra como quadro exemplar
São ilusão de sabedoria e progresso
José Gomes Ferreira
A modernidade é da tecnologia e inovação
O seu aparato deslumbra
Convence de imediato
Aparece como sinónimo de felicidade
É o amor postiço reduzido à ligação
É a máquina poderosa, o último modelo
A escolha fetichista inter-classes
A aparência democrática no uso
O aparelho que confere posição
A metástase da distopia
O gosto megalomano pela exibição
Falam em crise de valores, mas mostram-se
A mensagem é apenas o laxante e a excitação
Tudo mais fica exposto em cada marca
Estamos em guerra uns com os outros
A guerra do individualismo usa a luxúria da tecnologia
O saber usar e ter como difundir a mensagem
Para tal não importam os dados, apenas os equipamentos
José Gomes Ferreira
O peso cristalino do teu corpo
A tua pureza singela
A tua luz reflectida
O teu paladar vivo
E o teu poder de alimento
Tens todas as qualidades
És fonte de vida na matéria
Registo dos ecossistemas
Razão de toda a existência
Limpas os pecados
Clareias os pensamentos
És símbolo e regulamento
Capacidade de unir e dividir
Metamorfose e produtividade
Composição de paisagem e sinfonia
És motivo de adoração e esquecimento
Levas felicidade e pão a quem precisa
O Homem não regateia por ti homenagens
Só não te venera na verdadeira dimensão
José Gomes Ferreira
Tive muitas mães após a perda prematura do meu pai
O meu avô por casamento também ocupou esse lugar
Assim como o meu tio Mário
O velho Valério era uma pessoa rigorosa
Tinha uma postura conservadora
Mas sempre interessado em escutar outras ideias
Não alinharia no saudosismo actualmente em disputa
Com ele conheci outros lugares
E sobretudo estive nos debates dos primeiros dias da democracia
Não falhava um e eu acompanhava-o
Infelizmente o ciclo dele também se fechou
Foi mais um ancoradouro que perdi
O contexto rural é marcado por referências simbólicas
Não poderia desistir, não ignorei outras presenças
Sempre me perguntaram "quem é o teu pai?"
O meu tio era muito estimado e conhecido
Ao referir-me como sobrinho estava a dar as referências completas
Ser órfão na época não era apenas ser despossuído de laços de sangue e carne
Era também ter de me reencontrar socialmente
As dores do coração deixei-as para o silêncio
As dimensões sociais encontrei-as na família
Incluindo a minha avó Teresa e as duas irmãs
José Gomes Ferreira
Não é uma contagem
Nem um número para posicionar
Sozinho escondo as lágrimas
Escondo o próprio motivo
Não para omitir nada
Nenhuma dor se esconde
Arrasta-se no rosto
Coxea dos prefixos
Acentua-se no gemido nocturno
Escondo-as para gerar reacção
Para me encantar com a sobriedade
E multiplicar a luz reflectida
Ergo-me na força do optimismo
Ao enfrentar os espasmos
E ao escolher a esperança
Não é uma operação matemática
Sozinho sou rei do silêncio
Só que não agrego laços
As ligações resultam em felicidade
O sangue jorra bombeado
Não resulta de reservas
Herda vontade, estímulos e empatia
José Gomes Ferreira
Não adianta dizer que é triste e pedir a Deus que nos proteja, em nome de Deus, seja qual for esse mesmo Deus, continuamos a chacina e a eliminar quem se coloca no caminho dos donos do mundo. Temos a lata de polarizar o debate, é mais fácil reduzir a questão às missões da esquerda e da direita, com as habituais acusações vazias para inglês ver. O caminho da guerra seguido por Israel deveria envergonhar todo mundo. Não se trata de defender nenhum país ou ideologia, apenas de manter Netanyahu no poder. Esta nova mortandade não foi para atacar terroristas, foi para permitir o regresso do seu aliado da extrema-direita para o poder. Foram ceifadas dezenas de vidas só para manter o governo no poder. Enquanto isso a comunidade internacional nada faz, não se mexe em aliados de Trump e todos sabemos o que Trump quer fazer da palestina. A tal da Humanidade vive do ódio e do sangue, nada tem de humana. Perante o genocídio em curso não vemos uma voz que se erga, todos querem vender armas, todos querem um lugar de descanso no futuro resort de Gaza. Não se trata de comunismo ou capitalismo, mas de massacre. Se algum dia acontecer com as nossas famílias vamos deixar de rir. Até adoramos ser soldados de sofá, seguimos idiotas só por falarem mais alto. As ideologias, incluindo as religiões, estão a levar-nos para o abismo. Precisamos de fraternidade, paz e humanidade, não de destruição e sangue derramado. Mais empatia e menos violência.
É preciso coragem em cada ensaio
Não me cortem a palavra
Não me calem o coração
Um poema não é apenas um sonho
O desejo secreto de chegar
É como vejo o mundo
Como grito por liberdade
E junto argumentos para continuar a lutar
A leitura não deve ser interditada
Nem o amor calado ao redor
Se discordo estou no meu direito
Se soletro quero trazer outra luz
Não coloquem a música tão alta
Escondam o lápis azul da censura
Não promovam os detalhes da propaganda
Todos deveremos ter voz
Não quero o exclusivo do meu lugar
O passar do tempo pode servir de embalo
Não decreto a minha posição como real
Se enxergo é por saber escutar
E por deixar o coração bater
José Gomes Ferreira
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