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Verdade ou consequência

por José, em 07.02.25

Saltávamos à corda e brincávamos ao lencinho
Jogávamos à verdade e consequência
Assim como à currica e ao berlinde
Pendurei-me muita vez em oliveiras e na tranca de um portão
Não tínhamos brincadeiras em face da posição
Na rua e no campo éramos iguais
Felizes pela opressão do que se desconhecia
Na inocência de petizes e de seres obedientes
Uma obediência em primeiro lugar sortida pelo encurtar do mundo
Éramos felizes naquilo que nos era permitido
Tanto nas permissões económicas como no conduto social
O nosso mundo era a plenitude da aldeia
E o soprar de notícias apertadas pela rádio
Dizer que éramos felizes não mostra as carências
Muito menos lubrifica a ideia sonora de liberdade
Na rua éramos iguais, na escola e na igreja havia impropérios
A verticalidade era forçada na classe e influência
Havia lambe-botas a disputar qualquer vantagem
Quem não se encontra nessa caracterização viveu por imitação
A nostalgia tolda a supressão de oportunidades
E encarece a invisibilidade dos mancebos

José Gomes Ferreira

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publicado às 19:43

Brisa

por José, em 07.02.25

A brisa sopra apertada e eu sei
Toca o rosto e o peito
Enche as mãos de tudo e de nada
Balança os cabelos grisalhos
Solta as folhas das árvores
E interfere no paladar dos beijos
A brisa sopra e o meu amor não chega
É a imaginação que vence
E mesmo assim não se atrapalha
O futuro continuará a ser uma porta aberta
Emoção arrastada também pela natureza
A brisa sopra e os sonhos voltam
Escutam-se nos telhados e nas escadas
Na lataria estacionada na rua ao abandono
E nos ramos podres de árvores queimadas
No abrir e fechar de olhos que traz gente
A brisa sopra e leva notícias da terra
Percorre todos os territórios
Deixa os corações em alerta
Não se cansa de escolher o seu lugar

José Gomes Ferreira

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publicado às 00:18

Dar voz ao silêncio

por José, em 06.02.25

O silêncio nem sempre é o ócio da alma
A expressão catalítica da vida
A simbiose da razão e emoção
A sedução por momentos de paz
Tantas vezes é consentimento forçado
Mordaça à revelia da justiça e da ética
O silêncio é também a arma dos criminosos
O semblante de dominados por opressão
O grito escondido nas trevas
A denúncia que não sai por ameaça de represálias
A romaria de tradições na invisibilidade dos passos
Tem silêncio que lembra punhal a rasgar o corpo
Sangue a correr das vísceras e do cérebro
Dói mais que a lâmina no corte dos órgãos
Tem silêncio que consome a honra e a dignidade
Esse é o silêncio das ditaduras
Tal como é o silêncio das agressões caladas
Das ofensas corporais e mentais
Esse silêncio precisa ter voz para repor o respeito

José Gomes Ferreira

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publicado às 10:49

Fitar o destino

por José, em 06.02.25

Sempre fui pequeno no aparato
No romance para fingir com o coração
Se quero algo luto na educação
Mesmo que me digam que não vencerei

Tem quem não sobreviva ao nosso nascimento
Ao instante em que decidimos o caminho
Havendo muito mais que vale a pena
Seremos amadores se fugirmos ao destino

O tempo junta alma e sentimento
Sem saber a melhor opção a ensinar
Se a crença é uma constante
Não deveremos duvidar do nosso querer

Se uma coisa realmente nos atrai
Não há nada tão profundo
Como a luz que reflectimos em redor
Dela ninguém nos pode nunca separar

José Gomes Ferreira

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publicado às 01:10

Tempo e cadência

por José, em 05.02.25

A chuva miudinha não enche os reservatórios
A chuva torrencial pode provocar inundações
A vida também é assim, necessita de equilíbrio e permanência
A aprendizagem espaçada pode não gerar conhecimento
O excesso de informação pode gerar confusão
A complexidade exige cuidado
Tudo tem o seu tempo e cadência

José Gomes Ferreira

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publicado às 07:21

São Valentim

por José, em 05.02.25

São Valentim tu que fazes acontecer
O que dizem ser amor verdadeiro
Se puderes deixa já o teu parecer
Não vá o sentimento ser corriqueiro

Santo devoto dos comerciantes
Que fazes sonhar os namorados
Deixas muito felizes os amantes
E os crentes totalmente embasbacados

Santo do capital e do negócio
Transformas desejo em fortuna
Queres que Deus seja teu sócio
Ainda achas a fidelidade inoportuna

José Gomes Ferreira

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publicado às 01:38

À memória do meu pai

por José, em 04.02.25

Faz hoje anos em que uma madrugada de 1977 se apagou
Ainda cedinho chegava de França a notícia da morte do meu pai
A leucemia levou-o antes de me ver crescer
Guardo da sua existência o seu lugar simbólico
A referência de um pai na sociedade rural
E da perda igualmente de afectos e da sua presença
Cresci manipulando a dor e a falta que sempre fez
Não tenho dado as batalhas por perdidas
Procuro honrar a sua importância, tal como da minha avó Teresa
Sei que teriam orgulho em mim se cá viessem
Essa tem sido a motivação para a minha força
Mesmo que na narrativa todo o silêncio tenha sublimação
Quando na noite só as estrelas sabem o que passamos
Conheci-o espaçadamente nas curtas viagens de Agosto
As lembranças sempre foram da falta que me fez
E do lugar que sempre lhe reservei no brilho da vida
Cresci à espera do seu regresso
Na certeza de que era luz em outro plano
Não cresci diminuído na atenção
Porém, a falta que um pai faz não se repara apenas de lágrimas
É preciso reescrever todo caminho para ser gente
Pelo que este dia é também um mergulho na vida
Um intenso clarão que desperta emoção e coragem
A certeza que a felicidade é também memória eterna

José Gomes Ferreira

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publicado às 03:09

A cidade tem vida

por José, em 04.02.25

A cidade actualiza-se na temporada
O próprio prédio vive em burburinho
Chegam novos estudantes para o ocupar
Eu revivo o ano anterior na passada
Gosto da cor e do movimento
Tem alguns espaços em obras
Outros aguardam por melhores intenções
O trânsito não pára na intensidade
Assim como as pessoas nas escolhas
Vou à fruta ao pequeno mercado
Atravesso o cruzamento para ir buscar comida
Alguns rostos são os mesmos de sempre
Lançam pregões à minha passagem
Pessoas jovens e idosas circulam de um lado para o outro
Algumas famílias procuram uma sombra
A água mineral custa 2 reais na venda ambulante
Tudo se vende na rua dos sonhos e simplicidade
Percorro-a outras vezes pela paz e beleza
A cidade tem vida e é capaz de se reconhecer

José Gomes Ferreira

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publicado às 01:37

Quando os silêncios falam

por José, em 03.02.25

Até na felicidade o que mais se nota são as ausências
Os votos por representar nos instantes
Um simples desejo de vida longa
A utopia desejada de que tudo siga com saúde
É nas omissões que tudo se clareia
Laços e paixões podem virar certeza de devaneio
Afastamentos premeditados na óptica da razão individual
Se não encontram gestos de ternura não existem
São o que gostaríamos que fosse
O deixa para lá e não penses mais nisso
Não somos perfeitos e não garantimos todas as simpatias
Para algumas pessoas essas simpatias são cedências
Como diz o povo só está quem faz falta
Tudo mais são construções e desconstruções
Lamentáveis equívocos de encontros que o caminho força

José Gomes Ferreira

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publicado às 00:02

Campina cidade

por José, em 02.02.25

Espaços secretos
Rodízios cheios de cor
Ruas que batem saudade
Infâncias sem perturbar
A cidade resultado
O beijo de uma mulher
O Sol raiante pelas frestas
Os lábios roxos da modernidade
As quotas e as vitrines
Prédios de outras décadas
Desafios perenes em velhas tradições
A multidão que não desiste
O Centro no encontro do que se procura
Cantam na rua algumas vozes
O amor também não é escondido
A cidade tenta se mostrar
Escuta-se na forma sonora de anúncio
A selecção por temas e produtos
A semente do que se pode mudar
Corpo formoso em forma de simpatia
Ao fundo o açude tonteia
É beleza por administrar
Nele se destaca a insistência humana
A não desistência das artes do cuidar

José Gomes Ferreira

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publicado às 10:00

Chuva no sertão

por José, em 01.02.25

O sertão esverdeja de abundância
As chuvas pintam sorrisos na paisagem
As nuvens constroem casas na planura
Nos baixios os charcos emocionam
A água cobre as margens de esperança
Espelhos de água reflectem a luz
A Campina agasalha a pobreza
O gado deixou o curral para o pasto
O Sol cobra a superfície a pique
As árvores escondem os troncos
Os frutos escondem-se entre as folhas
A terra pousa o pó abaixo da verdura
Será boa altura de semear feijão
É tudo tão puro e promissor
O coração renasce na terra árida
As famílias festejam aliviadas a estação

José Gomes Ferreira

* poderia chamar-lhe Sol e chuva no sertão. Este ano as chuvas chegaram cedo, está tudo lindo. As fotografias do caju tirei esta manhã em Natal, que é Nordeste, mas não é sertão, o bioma é mata atlântica. Mas o caju é típico do bioma caatinga, constituindo parte da economia local. Quer o fruto, quer a castanha (o fruto é o corpo da fruta, a castanha a parte escura), têm muita procura. A cajuína é outro produto tradicional, geralmente relacionado ao Ceará. A cajuína é sumo/suco, se não mesmo a polpa do caju. Pela tarde viajei para Campina Grande, passando do Rio Grande do Norte para a Paraíba e do litoral para o interior. Depois de ver, em Dezembro, tudo tão seco, é lindo o sertão verde de boas chuvas. Nem sempre o verde é felicidade. A chuva miudinha dá origem à chamada seca verde, fica tudo verde, mas a chuva não altera o volume acumulado nas barragens. 

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publicado às 21:59

Ena! Cheguei aos 60

por José, em 01.02.25

Muitos caminhos percorri para chegar aqui. O momento é de gratidão e paz pela satisfação. Tem sido um caminho que muito me orgulha, reconhecendo sempre o ponto de partida. A pobreza nunca de ser motivo para se activar o esquecimento, crescemos com gente grande, que fazia tudo pelos seus, que ensina palavras que para nós eram a base da construção e da verdade que se transformava em força. A beleza das memórias e dos ensinamentos tem valor universal. Cresci com memória e força para seguir, é isso que tenho procurado fazer. A minha força vem desses pilares e dos laços que a cada dia faço repercutir.

Não encaro a vida como competição, mas como um passeio leve onde se agradece e deixa a paz fortalecer essa passagem, procurando ser igualmente herança, força, sensibilidade e luz. O que dizer de seis décadas sem a empatia pelo silêncio e brilho, deixando que as palavras sejas ecos e trilhos de uma historia que se escreve de presença e de quem nos escuta, responde e incentiva? Seria pó se não fosse o prazer de não caminhar só. Se existe solidão em mim é a da necessária para a composição das ideias, em todos os outros instantes convergem planetas, corações, braços nos ar, mãos estendidas e abraços genuínos.

Cavo terra, crio livros, disputo argumentos com a convicção das escolhas. Livre, pleno no romantismo da travessia, da acta, da insuficiência do adquirido, do privilégio da imaginação e da ciência. É o orgulho tenaz que consolida a auto-estima, como simpatia divina encontrada na natureza e no afecto que em nós se transforma em paradigma. Também tenho momentos em que me perco nas certezas, na confiança sólida das melhores opções. Mas cresci para lutar, acreditar, deixar o coração bater e honrar os antepassados e presentes. Ergo-me tantas vezes em lágrimas, na suspeita do desamparo, porém o reflexo do que fizer precisa ser felicidade, amor e encanto total pela vida. Agarro-me pois a tudo o que de belo existe no meu peito e na minha pele. Ao sangue que herdei e me mantém vivo. Ao balanço das gerações e dos acontecimentos. Ao gosto pela surpresa perpétua dos novos laços e repercussão dos acontecimentos. À amizade que eleva narrativas, circunda o cosmos e nos leva em viagens nunca imaginadas. Obrigado por tudo, forte abraço. Sem tudo isso nada seria. Não apenas anónimo, mas apagado nas pedras e talhões de terra. Retirado das quelhas de centeio e lameiros de milho. Desaparecido nas matas agora despidas de alma.

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publicado às 04:54

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