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Também levo as mãos à cabeça
De tanta volta que dá o mundo
E perante escolhas sem opção
Na indignação face ao cancelar de respostas
Levo igualmente as mãos ao peito
Quando o coração se inquieta
E a voz que me chega é superior ao que devo ouvir
A vida reserva-nos várias reacções
Ainda assim sigo leve na ternura
Posso influenciar alguns caminhos
Não mudarei o mundo na totalidade
Gosto de ser brisa, mesmo quando anunciada a tempestade
E a objectividade não se aplique à atenção
Gosto de ser paz, mesmo que Humanidade não obedeça
E não se enxergue uma luz de esperança
Gosto de ser critério, desde que se discutam os paradoxos
Levo as mãos à boca quando a intensidade não apresenta respostas
Quer apenas sobrepor-se ao entendimento
José Gomes Ferreira
A noite é a espera das horas para rejuvenescer
Não é o fim solitário do dia
Aos amantes lembra o encanto e a ternura
O cosmos na beleza de tocar o coração
O céu estrelado de hipóteses
Os pirilampos a incendiar o silêncio
O brilho intenso que cativa o olhar
Aos outros traz repouso
O escrutínio da liberdade após a luta
A espiritualidade que o corpo eleva
A memória de tudo o que foi gente
A noite é uma voz que sussurra
Fala de gente a pedir para adormecer
É a ideia perpétua da vida e do movimento
O ciclo que se compromete antes de se extinguir
A noite é uma surpresa, o renovar das escolhas e do sangue
O carregar com energia da história para continuar
José Gomes Ferreira
Guardo muitas memórias da minha aldeia
Onde ainda hoje corre água como melodia
Nos trancos e barrancos que cada ribeiro serpenteia
A enchente lembra uma orquestra de fantasia
Nem toda a água vai para o mar
Enche os lameiros verdes de ternura
A natureza é para se respeitar
Cabe-nos observar a sua beleza e doçura
Outrora havia muito pão de semeadura
Em cada uma das parcelas divididas
Não se pode ignorar como a vida era dura
Nem a história das sardinhas repartidas
Ainda assim sobra a nostalgia
E a lembrança dos dias em comunidade
Entre o povo não havia cá fidalguia
A pobreza não ofuscava a dignidade
Era bom ver os campos cultivados
E o pinhal repleto de riqueza
Só que nem todos eram afortunados
E o futuro não rima com incerteza
José Gomes Ferreira
Já não se questiona Deus fora da estante
Nem se apalavra o Homem fora da oração
Discordar é encabeçar a solidão
Ter opinião é magoar o sagrado
É questionar a confiança e a transparência
E querer derrubar a legitimidade do poder e da tradição
Já faltou mais para voltar a fogueira
Assinale-se o regresso da Inquisição
Tudo falha quando a economia manda
Quando o poder encontra formas silenciosas de obediência
Não falamos no assunto A ou B por parecer mal
Ao mesmo tempo aceitamos o descaramento
O desvio de padres para o dinheiro e prazer da carne
A exibição de alienados como heróis
A mostra de indigentes como figuras públicas
Não se questiona Deus nem a vassalagem
Preferimos repetir a escuta das portas a ranger
Os ruídos nocturnos deixados na consciência
José Gomes Ferreira
Quando estamos do lado de fora as representações são essencialmente as que nos chegam através da comunicação social, quando passamos a conhecer os locais as primeiras ideias podem mudar totalmente. Isso mesmo acontece com a ideia que fazemos quanto ao Carnaval no Brasil, que nos aparece associado ao samba. A realidade mostra outro tipo de celebrações em outras cidades. Por exemplo, em Salvador da Bahia e em Recife, capital de Pernambuco.
Esta tarde em Natal, um dos grupos que vai desfilar no Carnaval ensaiou num bar pertinho de casa. Natal e o Rio Grande do Norte não possuem uma tradição definida de desfile carnavalesco, ainda assim ganham destaque grupos associados a comunidades tradicionais. Outros grupos acabam por reproduzir as tendências regionais e nacionais, que são o frevo e o samba, entre outras.
Lembrei-me de recuperar algumas imagens já com 10 anos na cidade de Recife, lá onde o frevo é rei. As imagens são do Museu do Frevo, no Recife Antigo, assim como da cidade vizinha de Olinda. Ao vivo e a cores tem o Galo da Madrugada. Recife e Olinda podem também ter exibições de Maracatu e outras sonoridades, havendo mesmo aí grande diversidade e influências.
Este ano não sei em qual cidade fico, mas uma visita a esses locais seria muito bom, ainda que tamanha multidão seja sufocante, mas o momento é único. O frevo é património imaterial. O nome vem de ferver, fervoroso. É um ritmo quente, colorido e intenso.
A tolerância e o bom senso têm vivências mundanas
Sobretudo quando a ética vale menos que o dinheiro
Tem quem se proclame Deus e Rei
Na soberba da Civilização em crise tem profetas de sobra
Quando muito falam em defesa de valores estão a afirmar que transgrediram
Sobram falsos moralistas por culpa não admitida
Não podemos deixar que o dogmatismo oprima
Em terra de cego quem tem um olho é rei, diz o povo
Em terra de sobrançaria quem tem muita lábia convence
E transforma a idiotice em projecto dominante
Os tempos são de incerteza e falta de vocações
Aceitar a intolerância como ordem de consenso é desistir de viver
Não existe desenvolvimento sem diversidade e divergência
Calar os povos e a ciência é genocídio
Não podemos aceitar calados que se ultrapassem as linhas vermelhas
José Gomes Ferreira
Deixa-te admirar na sorte
Em gestos de linhas sensuais
Segue para Sul ou Norte
Faz parte de histórias reais
Efemérides são cobranças
Celebradas para não esquecer
Só que o amor não tem poupanças
Não marca um dia para acontecer
Se assim fosse verdade
Como o aroma de uma flor
Facilmente perdia intensidade
E nao teria qualquer valor
José Gomes Ferreira
De súbito abanam todas as frestas
As ranhuras mal fechadas da vida
Aquele lugar por onde sopram as circunstâncias
Abana também o coração
Não foi feito para o constante sobressalto
Abana tanto que a pele arrepia
Lembra amor à primeira vista
Mas na inquietação do beco sem saída
Abanam ainda os projectos deixados a meio
A frustração de não se elevar a espada e o ramo de oliveira
Quem vive laços fortes mantém-se intacto
Sacode apenas o pó dos dias e as folhas brancas
Os laços e os recursos fornecidos são o cimento que cola o corpo à própria história
Já os mais vulneráveis são colocados na enxurrada
Nesse caso abana também a luz e a alma
Os caroços putrefactos na estrutura dos punhais
A liberdade ecoa intersticial
Escutam-se risadas e gritos em face da condição
Abana também a época e a própria espuma
Os beijos fingidos na cratera do desejo
José Gomes Ferreira
Nem tudo no amor é perfeito
Sublime no raspar das estrelas
E na imaginação romântica da realização
Quem assim sonha nunca viveu o amor
Esse amor só existe nas narrativas
Fora delas também cospe fogo
O amor é egoísta e doentio
O amor é exibicionista
Para conquistar exibe-se
Para dar visibilidade à conquista exibe-se
Adora mostrar aos mirones que aquele corpo e sentimento têm dono
Também se exibe no aparato e privilégio do dinheiro
O amor é o orgasmo do dinheiro e do poder
O amor relacional é mera representação
Adora subir ao palco e ocupar o papel principal
Assume também elementos verdadeiros
Mas esse é o amor fronteira
Aquele que o cinema e a literatura narram
O diamante raro invisível aos olhos
José Gomes Ferreira
Subi aos céus e pensei que era glória
Uma dádiva merecida no coração
A realização completa do ser
O intuito do encanto supremo
A luz escolhida pelos espíritos
O encarnar da doçura nas madrugadas
Só que o céu era apenas o azul gelado
A subida no engano das paixões
O céu era apenas a ilusão da confiança
A crença sem questionar se a reciprocidade nos une
Vai para além da intenção e promessas
Subi aos céus em novos voos
Não falhei nessa constância de certezas
Mesmo que o meu agrado possa ser um espelho de águas
Também na vida as gotas se desfazem
Somos como somos em verdade
O que esperam de nós facilmente cai no fatalismo
Subi aos céus e achei-me incompatível
Afinal o amor não é a química do cérebro sobre a humildade
É o pecado da aceitação de cada diferença
A exibição de cada dote a admirar
José Gomes Ferreira
A relação é tudo o que perdura
E reconstrói quotidianos e sentimentos
História contada e sem ferida
Vontade de ser igual na construção
Respeito e aconchego de gente madura
Papel assinado e afirmação
Início de novos ciclos de heranças
Já o amor pode não estar presente
O amor é um suspiro do vento
Qualquer recordação que se apaga
Tumulto nocturno do coração
Leve sonho que navega
O amor é mais do que a relação
É a utopia da alma gémea
O ruído que encosta testo e panela
Sal e mar subindo na pele nua
José Gomes Ferreira
Nunca sonhei com o foco de luzes
Com a ribalta dourada e o palco aberto
O meu sonho de felicidade era ter a biblioteca quase só para mim
Como também admirar o céu e o espírito
Dedicar-me às actividades agrícolas sem largar o mundo
Colher agriões na água corrente
Apanhar figos às gamelas para partilhar
Definir o instante e o lugar de contemplação
Tinha o meu universo de discos, sonoridades e prazeres
Assim como livros comprados na teimosa
Lia jornais putrefactos pelo tempo
Com o ranço do que embrulharam
Mas com peças de leitura que me prendiam a atenção
Sonhava voar e criar novas histórias
Escutava a água da fonte falar
Admirava o brilho prateado do líquido a sair da torneira
José Gomes Ferreira
A memória é curta quando são muitas as opções
A variedade e a rapidez avassalam os acontecimentos
Não são vividos como épocas
Feitos quase heróicos para mais tarde recordar
Outrora não era apenas o baptizado e o casamento que ficava como recordação
Alguns episódios ficavam a marcar as fases da vida
À medida que se crescia e se tinha dinheiro para roupa nova íamos ao fotógrafo
O álbum fotográfico era o nosso livro de história
Era mostrado com orgulho a quem nos visitava
As fotografias mais proeminentes eram exibidas na sala
A sala de estar era um verdadeiro museu da família
Por vezes os ancestrais eram colocados em ponto grande
Trazidos para o interior da casa como divindades protectoras
Hoje tiramos dezenas de fotografias para exposição virtual
Poucas são as imagens que ganham o lugar de crónica
São meros instantâneos para aparecer
Não possuem a glória e a aura da pertença
A honra de se situar na consumação dos laços
José Gomes Ferreira
São Valentim tão milagroso
És o santo das paixões
Em Fevereiro és famoso
És perito a acelerar corações
São Valentim das escolhas
De lugares e prendas para agradar
Vê bem como me olhas
No amor não te cabe falhar
São Valentim do comércio
E da possibilidade de erudição
Eu quero ser é teu sócio
E gravar contigo uma canção
São Valentim das alegrias
De quem acredita no amor
Vences todas as utopias
Não sei se és santo ou um estupor
José Gomes Ferreira
Solidão é quando não se tem caminho
Mesmo que a estrada seja larga e esteja totalmente ao nosso dispor
Solidão é quando não se admira mais o céu e a natureza
Mesmo que tudo seja dado livremente à nossa contemplação
Solidão é quando o encanto sai do nosso coração
Mesmo que nele o amor resida como utopia
Solidão é quando deixamos de dar conta das expectativas
Mesmo que o sonho enalteça a nossa imaginação
Solidão é quando perdemos a memória dos relatos e das pessoas
Mesmo que o corpo mantenha a sua figura na representação dos outros
Solidão é quando a cidade nos habita na indiferença
Mesmo que a nossa figura ocupe os alpendres e a miséria
José Gomes Ferreira
As pessoas posicionam-se para defender a sua bandeira
Mas o problema é que já não defendem meras propostas
Não se dão conta da insanidade da consciência
Estão capazes de matarem e matam
Mostram-se capaz de seguir para o abismo e vão
O problema não são as promessas
Na maioria dos casos não existem sequer novas ideias
Apenas o fatigante gosto em repetir a história e levar a civilização para a agonia
Já não se trata de discutir os impactos do capitalismo
A anarquia tem um pacto de poder radical
No meio de tudo isto quem sofre são as famílias
Os mais vulneráveis pagam a crise e são alvo de ataque
A crise climática transformou-se em jogo escolar
Quem domina o brinquedo decide se os outros jogam ou não
É o fim dos tempos na heráldica dos pacificadores
Até o amor se disputa no alinhamento dos amantes
José Gomes Ferreira
Na nova política o anónimo se acha gente
Convertido no escrutínio da difamação
Recrutado por líderes de alta patente
Andou escondido longe da multidão
Nos extremos nunca mais se cala
E acha que é dono de toda a razão
Chega a ocupar sozinho uma sala
Acena com o levantamento da mão
Recupera gestos insalubres
Que pensa que o dignificam
Porém confunde os costumes
Tantos excessos não se justificam
É certo que a democracia não é perfeita
Dando azo à prevaricação
Mas quem acha que encontra a cama feita
Nada sabe sobre a sua própria condição
Coitada da defesa da liberdade
Acobertada por palavras de ordem
Escondida nas prioridades de verdade
Afastada daqueles que discordem
José Gomes Ferreira
Na espúria graça tão eloquente
Que disserta sobre os chamados
A ovação em que se pensa ser gente
Roça nos lábios e ouvidos inchados
Na deturpação da luz e da calma
A intempérie vista por uma fresta
O prazer que aviva a alma
As lembranças guardadas numa cesta
Tem ainda a infame loucura
O olhar apontado pelas laterais
A ideia valente de formosura
O aconchegante destino dos imortais
Nas histórias que depois se contam
Na reprodução de outras tratativas
Guardam-se puzzles que depois se montam
Mesmo que se falhem mostras optativas
José Gomes Ferreira
Nasci e cresci homologado na figura do meu avô paterno
Não o conheci, mas tiravam-me o retrato a partir das suas feições
Ilustravam a minha fisionomia na dele
Chegaram a comparar gestos específicos
Formas de me movimentar e ser
De facto as fotografias são bastante reveladoras
Ainda assim, fora do aparato físico puxei à minha mãe
Não sei mesmo se o meu cabelo é herança de um lado ou de outro
Mas o gosto pelo silêncio e autonomia é totalmente materno
A vontade de conhecer, lutar e ensinar também
Esse lado em que a paz está no lar
E toda a entrega está em tudo o que tocamos
Esses genes são igualmente da minha mãe
Quando parece que dá o braço a torcer à vida tem a capacidade de se reinventar
Não sei se herdei tudo isso, mas é genética e inspiração
Não posso dizer que são práticas familiares reproduzidas
Cresci mais no adeus e até breve que na sua presença
José Gomes Ferreira
O teu abraço fiel
O teu beijo retumbante
Arrepiam-me a pele
São o que procuro constante
O teu aroma intenso
O teu gemido profundo
Mostram o prazer imenso
E o que falta levar a fundo
São desejo e paz
Amor e todo sentimento
Mostram o que sou capaz
Revelam o melhor pensamento
Se os olhares se cruzam é feitiço
Se as escolhas se completam é encanto
Não tem amante nesse mundo postiço
Que não se faça passar por santo
O que é belo é sublime
O que é verdade é confiante
Se tem fé que oprime
A alma está a seguir um caminho errante
José Gomes Ferreira
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