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A vida é uma autêntica escadaria
Subir exige esforço e cautela
Assim como foco e coragem
Mas é a descida que obriga a mais cuidados
Não vá tudo descambar degraus abaixo
E facilmente as mazelas aparecem no corpo e no vácuo
Se tiver corrimão é um amparo
Se tiver piso liso pode ser deslize
Subir é sobretudo superação
A descida forçada carece de capacidade de resiliência
Tudo exige preparo e medida
O calçado não pode ser escorregadio
O piso não se recomenda molhado
Tudo na vida tem um preparo e circunstâncias
José Gomes Ferreira
A festa e a narrativa exuberante só acontecem nas outras famílias
Na aldeia tem quem prefira a fogueira no largo
Tem ainda rituais pagãos a observar
Em casa a memória era de rituais simples
O jantar que juntava as três irmãs era o brinde do bolo
Houvesse dinheiro suficiente para o adquirir
Não faltavam broinhas com passas e pinhões
O fogão a lenha foi um objecto tardio
A chaminé deixa ainda um rasto de fumo
A arca da lenha sempre foi usada para sentar
Cabiam todos na benevolência da noite
No centro da mesa o bacalhau com batatas e couve portuguesa
O azeite cor de ouro a correr nos pratos
No final da tarde tinha ajudado a fazer as filhoses
Gosto de sabor enrugado a curar a garganta
E a acompanhar um eventual licor caseiro
Poderia igualmente ser a típica mistura de aguardente com água a escaldar
O hábito do café chegou com o regresso dos emigrantes
Parecia uma disputa na revelação da história dos Antigos
Mais do que o repasto e a fé, a consoada sempre foi de memórias
Para relembrar os antepassados e acrescentar pontos ao já vivido
A magia do Natal não estava nas prendas ou no exacerbo
Mas no juntar de diferenças e recuperar a ancestralidade
No sorriso térreo da compaixão e dos laços
Éramos felizes para além do instante de celebrar
José Gomes Ferreira
O amor é como as tangerinas
Geralmente doce e colorido
Subtil e cativante
Reservado e suficiente
Abre o apetite e a paixão
Vai da mão ao coração
Liberta aromas e tentações
Reflecte a luz no olhar
É valorizado pelo lado interior
Mas também pode ser azedo
E pode ser apenas de aparências
Quando não se confunde com clementinas
E não achamos que até as laranjas servem
O amor não precisa ser grande
Nem dar nas vistas
Necessita ser certo
E responder às expectativas
O amor surge com o encanto
E alimenta-se do caminhar recíproco
José Gomes Ferreira
Algo na minha pele arrepia
Quando o toque é verdadeiro
Talvez tudo seja amor de fantasia
Não vou discutir o paradeiro
Algo no meu coração não responde
Andarei muito distraído
Talvez me procure sem saber onde
Pode também andar perdido
Algo no sonho me representa
No que traz o sabor da conquista
Tenho lembranças de uma velha sebenta
Não tenho vocação para catequista
José Gomes Ferreira
A névoa repinta a paisagem
E submerge o rio lá ao fundo
O vento sopra da Serra
Com o gosto cortante de lâminas
Os lábios racham de retoque
A pele das mãos solta escamas
O solo cobre o gelo estaladiço
Pisado por quem tem de o enfrentar
O Sol do meio dia é vibrante
O azul do céu mostra o horizonte
Quando a tarde desaparece tudo se altera
É necessário justificar o trabalho feito
Ao mesmo tempo o frio entra pelas frestas
Na lareira algumas cavacas
As panelas a ferver aproveitam o fogo
Os deveres da escola repousam sobre a mesa
Aguardam motivação e energia
O rádio anuncia a previsão meteorológica
E solta as músicas que libertam a juventude
Sobre as mãos um caderno revisto
No pensamento permanecem os sonhos
Se um dia voar quero que tudo seja brisa
E que cada lugar visitado seja conhecimento
Quero também contar as histórias que vivi
E mostrar que a felicidade está onde o coração se aconchega
José Gomes Ferreira
Outrora o amor ficava pelo parapeito da janela
Era um acto de prevenção dos avanços
Tem quem diga que era por respeito
Só que nem tudo é o que parece
No primeiro levantamento da reserva dava-se a transgressão
Hoje é tudo mais leviano nas palavras dos saudosistas
Acontece que as cidades, vilas e aldeias mudaram
As pessoas já não se colocam tipicamente à janela
Isolam-se no marasmo de supostas liberdades
O amor levita entre noites felizes e projecto de vida
Não existem mais casamentos arranjados
Nem paixões por longas correspondências
Os pais não mandam mais nas relações dos filhos
A única janela que o amor ocupa é da navegação no computador
O amor desceu da imposição
Mas ainda tem dificuldade em ser realização dos afectos
José Gomes Ferreira
A poesia é uma vadia
Salta de boca em boca
Beija e abraça com a mania
É tão descarada e louca
A poesia é a voz do povo
Escolhe a rua e o palanque
Quer no velho ser o novo
Declamada é como tanque
A poesia é desejo e romantismo
Sonho de amor e Carnaval
É claramente anti-fascismo
Mesmo que o adúltero leve a mal
A poesia é elegante
Mas também direta
Tem tromba de elefante
A mensagem é certeira como seta
José Gomes Ferreira
Por trás dos sorrisos muita saudade
Por trás da força muita amizade
Por trás do rosto quente muita superação
Por trás da persistência muita esperança
É assim que sou feito e dou honra aos dias
Sou solitário, mas feito de laços
Repleto de memórias e afecto
Sou timoneiro a partir da ancestralidade
A nostalgia traduz-se em energia
A natureza é o instante de paz e reconhecimento
Não piso pódios ou palcos para aplauso
Busco apenas superar o destino
E deixar de mim a marca da exactidão e atenção
Conhecer o mundo é partilhar quem somos
E escutar do outro mesmo aquilo que não diz
José Gomes Ferreira
Havia meninos a brincar na rua
Uns de berlinde inventado
Outros a saltarem os quadrados da macaca
Um grupo com o lenço pendurado na mão
Meninos e meninas como irmãos
O desejo não era ainda da vontade dos deuses
Fora das horas de inverno todos iam apanhar azeitona
Mulheres e idosos estendiam os toldos e catavam o chão
Homens e meninos subiam às oliveiras para as varejarem
O gelo riscava-lhe a cara como chapisco
Também os pés se ressentiam
Nas mãos seguravam godos quentes
Timidamente uma fogueira queimava a rama
O aroma vinha com fumo afastar a névoa
A água corria plena nos lameiros
O musgo tapava muitas pedras
Os meninos levavam algum desse musgo para o presépio
A árvore de Natal era escolhida na densa mata
Aos meninos contavam histórias de Natal e superação
Contos de gente ancestral que subia e descia a serra
Algumas histórias eram canções passadas por gerações
José Gomes Ferreira
O sonho é cada vez mais o que é
Metáfora de uma promessa de liberdade
Viagem promissora pelas entranhas do futuro
Distopia que ilude a felicidade
Cantiga que amortece o silêncio
E recoloca no amanhecer a surpresa
O sonho é a nostalgia do amanhã
O revisitar da imaginação
A narrativa que nos faz acreditar
O regresso à ternura da idade
José Gomes Ferreira
Antes que tudo acabe
E a vida simplesmente anoiteça
Considera continuar a acreditar
Sonhar mais alto no querer
Agradecer por todo bem
Voar para dizer amor
Seguir é sempre o caminho
Nunca ter medo do amanhã
Importa não perder a coragem
Não vamos nem resignar
Vamos deixar uma herança
Voar para dizer amor
Mesmo que as forças diminuam
Em dias de lembranças fortes
Seguir é sempre obrigatório
De peito cheio e sentimento
Somar é sempre uma escolha
Voar para dizer amor
José Gomes Ferreira
Do litoral para quem caminha para Oeste
A extensão do território é gigante
Também tem muito cabra da peste
E no Rio Grande do Norte tem a tromba do elefante
No Ceará falam com orgulho
Na Paraíba destacam o São João
As praias servem para mergulho
O interior é chamado de sertão
Gosto sobretudo das cores
E de ver a água nos açudes
Esta é também a terra de muitos amores
E poetas a exalar do povo as virtudes
Tem muita estrada longínqua
Com rectas de vários quilómetros
À seca a vida tradicionalmente se adequa
O pior é quando avariam os termómetros
Chamam esperança às energias
Que até dizem ser renováveis
O problema é que político tem as suas manias
E a população sofre impactos consideráveis
Tem os chamados filhos do vento
Filhos de trabalhadores sazonais
Que da criação nem dão tempo
Vão ser pais em outros arraiais
José Gomes Ferreira
Passei a semana em Fortaleza em actividade na Universidade Federal do Ceará, sobrepondo-se outras actividades das muitas em que me envolvo. Por essa razão adiei o regresso, que tinha previsto por Natal, onde ficaria o fim de semana e depois viajaria para Campina Grande. Este sempre teve muitas maratonas, essa foi uma delas, daí que tivesse optado por ficar. Acabou por ser uma viagem cara, a diária não deu para pagar o hotel, a que se adiciona o transporte e a alimentação. Preciso ponderar estas participações, foi óptimo para o currículo, mas o currículo não paga as contas.
Fiquei hospedado num hotel mediano em Iracema, não muito distante da praia, por onde passei em 3/4 momentos, ontem sobretudo para fazer tempo e aproveitar a brisa marítima, sem esquecer a água de coco. Tenho algumas amizades na cidade, mas não contactei ninguém, estava com outros amigos e não seria fácil desdobrar-me. Também não gosto muito de incomodar.
Sabia que a opção da viagem direta para Campina Grande ia ser cansativa, procurei mentalizar-me. Foram muitas horas, mas foi uma viagem tranquila. O autocarro é muito confortável e não tive o azar de apanhar com ninguém barulhento. Na verdade ao meu lado não se sentou ninguém, foi dos poucos lugares vagos. Dá para dormir, eu é que durmo mal até na cama. Mas dormi em alguns momentos.
De autocarro nunca fiz uma viagem tão longa. Olhando para o mapa do Brasil parece que não me mexi. Marcando no Google Maps as principais cidades deu mais de 1200kms, a que se adiciona a entrada nas cidades para deixar ou trazer pessoas nos terminais rodoviários. Na prática atravessei para Oeste o estado do Ceará através da BR116, depois desci para a Paraíba, entrando na cidade de Cajazeiras, para mudar para a BR230, que atravessa a Paraíba. A BR 230 é também conhecida por Transamazónica, ao iniciar na cidade de Cabedelo, junto a João Pessoa, e terminar na Amazónia. Conhecia o percurso da cidade de Sousa (a seguir a Cajazeiras) até ao litoral. Este ano viajei duas vezes para o Alto Oeste do Rio Grande do Norte, com ida e volta, por esse percurso. E toda a semana viajo de Campina Grande para Natal na parte leste desta estrada. BR é uma estrada nacional, é uma espécie de IP que nas cidades se transforma em estrada nacional.
Tem muita pobreza no Brasil, mas este é o país dos maiores contrastes. Poderia falar dos apartamentos de milhões na praia de Iracema e das casas piores que taipa bem próximas. O próprio autocarros são de alta qualidade e pontuais. Conheço uns milhares de quilómetros, mas cada vez sinto vontade de conhecer mais. Mesmo o Nordeste que dizem homogéneo e pobre, não é nem assim, a começar pela língua são muitas as diferenças.
Não fico babado por mulheres belas
Muito menos por corpos nus a induzir desejo
A beleza e o dinheiro são importantes
Mas a dignidade e a sedução do conhecimento são insuperáveis
Adoro rostos bonitos e cheios de luz
Com o complemento da palavra e da energia são finalidade
Corpos muito preparados procuram status
E mostram disponibilidade de usura
Gosto de paixões que se aguentem por si
A representação torna as relações em acto meramente público
Quando o amor deve também ter pertença privada
Não necessita para tal de fingir ou ser simulacro
Apenas de viver a reciprocidade
José Gomes Ferreira
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