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A velhice não é apenas um retorno à infância
Começa por ser um retorno às vivências
O lugar de descanso é assim escolhido
Regressamos à terra ou onde nos sentimos bem
Aí queremos sentir a aguarela dos dias
Fazer o vento curvar o nosso corpo mole
E refazer amizades e laços de sangue
Nem sempre esse regresso é bem sucedido
Sem vínculos anteriores o que era atracção é decepção
Rapidamente sentimos um profundo desenraizamento
Tudo precisa de equilíbrio
A ilha deserta funciona na imaginação
Na prática nem todos nos adaptamos
O sossego aborrece quem não está preparado
As narrativas românticas são para vender casas e viagens
José Gomes Ferreira
Regresso pontualmente aos apontamentos no blog para partilhar algumas ideias sobre o que desejo para todos no Natal e no ano 2025, com bastante antecedência. Tem meia dúzia a achar que a questão é política e outra meia dúzia a pressionar para que seja económica. Podem até ser essas as principais dimensões e prioridades em destaque, em tempo de crise esperamos respostas e defendemos benefícios, pelo que é muito natural.
Na minha leitura tudo isso é importante, mas manifestamente insuficiente. O desafio que se impõe é ético, é cultural, é nacional e transacional. Impõe-se uma ética para a civilização em convalescença, um novo agir comprometido com a civilização, com o planeta e com o futuro da Humanidade. O umbigo é importante, mas a única atenção que nos merece é higiênica. Falam muito em crise de valores, mas o que se vê é um extremar de posições. Precisamos de novos valores, não necessariamente de recuperar antigos valores, as sociedades transformam-se os valores devem seguir o mesmo caminho. Não digo com isto que se abdiquem de valores universais, tem imperativos de que a ética pública não deve abdicar. Na sua ética da responsabilidade o filósofo Hans Jonas reescreveu um conjunto de imperativos para a sociedade tecnológica contemporânea que podem ser a base, sem esquecer que essa mesma sociedade é confrontada a cada dia com novos desafios. Veja-se o problema da Inteligência Artificial e os desafios em regular o seu uso.
O que é realmente importante é reavaliar a consciência colectiva e construir novos rumos. As prioridades não são apenas económicas, sociais e ambientais. Sem uma profunda transformação civilizatória vamos continuar a sufocar. Precisamos de um novo Homem, de novas lideranças e de reavaliar conceitos como felicidade, sucesso, prosperidade, paz, amor e civilização. De outra forma continuamos a colocar remendos em tecido velho e as guerras generalizam-se e o ódio será a linguagem dos dominadores. Esse não é o rumo. As próprias religiões necessitam refundar os seus dogmas e práticas. Precisamos estar unidos na diversidade e não julgar os outros nas opções.
A quadra natalícia induz ela própria a uma reflexão no sentido de activar o humanismo, a fraternidade e bom comum, procurando conciliar posições para a celebração e para a vida. É algo que vai para além da fé no sentido estrito, é uma mensagem para o mundo. A minha esperança é que seja assim interpretada e reforçada. Oportunidades destas são poucas. Feliz Natal e um Novo Ano Transformador.
* A mensagem foi escrita para ser partilhada num blog colectivo no qual por vezes partilho algumas ideias, mas também se enquadra neste espaço. Falta muito para o Natal, eu sei. Mas daqui até lá ainda dou umas voltas ao Nordeste e quem sabe à Península Ibérica.
Hoje celebra-se no Brasil o Dia da Consciência Negra, que passa a ser feriado. Com necessidade de respirar fundo e acalmar as corridas dos últimos dias, saí pela manhã para caminhar um pouco pelo centro da cidade e apanhar um pouco de sol, pois acabo por ficar fechado muitas horas em casa. Chamar-lhe casa é um exagero, é como um quarto em apart-hotel, na verdade era uma antiga pousada, que se transformou em kitnet, na cidade chamada kitinet, que recebe pouca luz natural.
A primeira surpresa é que o dia da Consciência Negra foi ignorado pelo comércio, aproxima-se a Black Friday, 80% dos estabelecimentos estão a funcionar. Para andar na centro fica mais agradável, mas é uma ofensa à evocação do dia. Mas lá fui, poderia caminhar no açude, mas fiquei mesmo pelo centro e fiz a paragem obrigatória na Praça da Bandeira para sentir o movimento e os elementos naturais.
A Praça é icônica na cidade, mas na verdade é de pequena dimensão. As áreas com árvores têm um pequeno muro coberto de azulejo amarelo onde muita gente se senta. Tem ainda algumas mesas e cadeiras, poucas, em cimento e tem o Café da Praça. Sentei-me nesse muro com azulejo, tinha outras pessoas em redor. Minutos depois um senhor já com os seus setenta e poucos sentou-se muito próximo. Começou por comentar, ou desabafar, que os pombos acabam por sujar aqueles muros onde meio mundo se senta. Delicadamente tirou um lenço do bolso para se sentar sobre ele.
Acabámos por conversar durante uns 30 minutos, depois vim à minha vida, pois os afazeres não param apesar do feriado. Não perguntei sobre a vida familiar direta, mas ele situou um pouco do percurso familiar. Tinha nascido um bairro bem conhecido de Campina Grande, mas por circunstâncias da vida foi para o estado de São Paulo. Um ramo da família será da classe média alta ou alta, ele preferiu dizer que não tinha tanto poder aquisitivo, mas mostrou o seu gosto por música erudita e por programas culturais da televisão. Não mostrou vontade de inserção nos clientes do Café da Praça justamente com o argumento do poder aquisitivo, considerando que o perfil não é apenas de homens, mas de um grupo bem na vida. Preciso conhecer mais para concordar.
Nos últimos anos mudou-se para a cidade atraído pela fama que vem assumindo e para reviver os lugares de infância. O problema é que a cidade não tem a dinâmica das cidades em redor de São Paulo e as suas memórias não estão aqui, partiu ainda criança de Campina Grande. Contou que comprou uma kitnet, acredito que se refira a um apartamento pequeno, pois kitnet é para alugar, mas que pensa em vender e voltar para onde fez vida. A história do senhor pode ser a de qualquer um de nós, inclusive a minha, embora eu procure manter os laços com a terra. Ou seja, nascer num lugar não é suficiente, é necessário manter afinidades, de outra forma estes regressos para viver a velhice podem não dar certo. Adoro Campina Grande, mas além de não ter mar pode ser uma cidade difícil de refazer amizade nestas idades e sem uma inserção familiar, profissional ou outra. No caso tem alguns familiares, mas parece-me que procura tranquilidade e não viver no patamar de qualidade de vida desses familiares. Entendo-o bem, a minha ideia de felicidade não passa por ostentar. Concluindo, as diferenças culturais e de sociabilidade podem desfazer qualquer sonho de reviver a origem.
A imagem mostra outro lado da Praça. O facto de ser um ponto de descanso de muitos moto-taxistas, que neste caso improvisou uma cama.
Desliguei-me das redes
E por momentos aproveitei a folga das notícias
Enrolei-me na convergência da autorização
Habilitei também o descanso do corpo
Precisamos reprimir os vícios
E as rotinas de clausura
Sabia que transgredia as práticas da modernidade
Que se lixe, pensei eu
Adormeci para correr com o cansaço
Senti que tinha viajado na lonjura
Depois senti o sobressalto e o pecado
Acordei como que numa ilha deserta
E num pretenso pôr-do-sol luminoso
Não sai do quarto e os minutos pareceram horas no repouso
A luz do candeeiro pareceu-me um tórrido ocaso
Os dias andam severos e eu apaguei
Dominei-os sem escuro e em direito
José Gomes Ferreira
Amanhã será sempre um adeus
A despedida do tempo de hoje
O acenar para trás e para a frente
Na gratidão do já vivido
E no compasso suave pelo que virá
Amanhã contaremos a história do agora
E veremos o que acontecerá depois
Na velocidade dos dias não vivemos agora
Pretendemos acelerar e viver o amanhã
Se o amanhã é o agora talvez o amanhã não exista
Talvez seja sempre a expectativa do actual instante
E o futuro de raspão sem cicatriz e consciência
É a encruzilhada, é o que sentimos agora
Nos abstemos amanhã e mal nos damos conta no passado
Amanhã é um algoritmo, a casca de ovo
Hoje foi ontem que amanhã levamos a passear
José Gomes Ferreira
As pessoas têm muita pressa
Nem todas se levantam do chão
Não colocam o foco no céu
Nem se se motivam ao levantar da cama
Com o gosto de quem vive para ser luz
Mas têm muita pressa
Tem quem prefira a sombra
O lugar cativante e comodo
Muitas cacarejam
Chamam a atenção
Levam o mundo ao peito
Outras acomodam-se no conformismo
A pressa é sinónimo de quererem chegar
Nem todas querem partir
Querem o foco da vitória
Não as motiva o caminho
Querem a mesa posta
José Gomes Ferreira
Os dias são musculados
Roubam-me os passeios solarengos pela cidade
Pausas para escutar, ver e fazer parte
Como também para libertar as pressas
Caminhar para colorir as ideias
E pertencer a cada lugar
Sentir o roçar do metal da porta de entrada
Escutar as rezas de quem passa em frente da catedral
Colorir as imagens da fruta do mercado
Os dias correm avassaladores
E eu só quero ser feliz na ensinança
Talvez o corpo me pare nessa pressa
Quem sabe chega a rapidez do calendário
Posso responder de punho firme
Mesmo que a actividade me liberte
E mostre a felicidade que a minha presença gera
José Gomes Ferreira
É cabível e mesmo aceite
Que todo o amor tenha uma canção
Talvez nunca tenha amado de verdade
Pois não escolho apenas uma melodia
Tudo passa pela felicidade do amor
E pelo jeito de cada coração
Os momentos simbólicos são para celebrar
A reciprocidade constrói-se no sorriso entre quem ama
Talvez seja eu na diversidade da existência
Não tenho apenas uma explicação
No som que nos acompanha na vida
Sigo sempre o complexo na imagem do desejo
José Gomes Ferreira
Não se trata apenas no que me tornei depois
Comecei a devorar palavras no berço
Apesar da ruralidade e da precária condição para estudar
Também não fui inspirado por ninguém
Era coisa de um garoto que queria conhecer o mundo
Lia velhos jornais que encontrava
Alguns ainda com cheiro a bacalhau
Pois eram usados para o embrulhar
Rapidamente conheci os livros
Fiz birra para comprar um ou outro
O pouco dinheiro que me davam nas actividades do campo era para livros e discos
Outros livros eram leitura obrigatória na escola
Escutava também as histórias locais
Uma vizinha e uma familiar cantavam velhas canções
Eram verdadeiros livros orais das nossas tradições
Passei para livro a minha versão da história da aldeia
Infelizmente outras se perderam por falta de atenção à cultura popular
José Gomes Ferreira
Tem quem, frustrado, aplauda
Os mísseis partem para Gaza e Beirute
Anunciam a morte de terroristas
Justificam tudo com a estratégia com a necessidade de represálias
Pequenos anjos são retirados às famílias
Sobem aos céus de alma pura
Desconhecem o significado da paz
Apenas conheceram violência e brutalidade
Alguns pais são também massacrados
Nem os filhos choram os pais
Nem os pais choram os filhos
Dizem que a resposta é legítima
Parece que não, o terrorismo mata
Talvez se deva fazer contas
O justiceiro facilmente perde a razão
Quem com a morte ataca rapidamente se transforma em genocida
E em tudo isto, nem os sinos dobram
Apartam-se as posições entre a esquerda e a direita
Como se as vidas inocentes não contem
E as guerras fossem necessárias
Vendem armas nestas guerras
A única coisa que lhe interessa é o lucro e a conquista
José Gomes Ferreira
Se for para pensar igual
Não me fales
Eu mesmo me completo
Elaboro sínteses e soletro cada palavra
Não repitas os meus problemas
Se for para amar igual
Não me ames
Serás uma repetição do meu coração
A desconjura dos meus sentimentos
Não nos vamos dar bem
Se é para seres a minha alma gémea
Não te iludas no complemento
As relações não se fazem a olhar o espelho
A reciprocidade vai para além do jeito que faz
É peito aberto, diversidade, respeito e aceitação
Dou-me na tua pele e no teu corpo
Somos um só no afago e projecção
Mas sem que um se dilua no outro
Sem que um seja luz e o outro solidão
Ambos seremos reflexo e paixão construída
José Gomes Ferreira
Estamos a falhar nos princípios básicos do humanismo
Precisamos de uma cultura para a paz
E não a cultura da constante competição
Também não adianta culpar o capitalismo de todos os males
Nem tudo resulta da competição capitalista
O que dizer da disputa entre religiões
Engana-se quem achar que o Deus Ocidental é melhor que os outros
A fé tem o devido lugar na existência humana
Só que sem humildade não existe remissão divina
Trata-se apenas de um dispositivo de comando e controle
Já nos bastam os exércitos de indigentes
E de homens preparados para obedecer
Não precisamos de mais ordenanças na procissão
José Gomes Ferreira
As relações não têm a ver com beleza
Têm a ver com sintonia e energia universal
Pelo menos beleza no sentido do corpo
E do aparato para o cuidar e exibir
A beleza esguia do aparato ajuda na atracção
Mas a vida não é feita apenas brilhantes entrelaçados
Tudo tem o seu tempo, ética e cosmologias
Cada um mergulha na construção à sua maneira
As aparências dão um ar de felicidade
O sentimento constrói raízes e histórias
Nada acontece na soberba das práticas
Nem na expectativa que têm de nós
As relações apertam-se com laços de reciprocidade
José Gomes Ferreira
Até se pode tapar parcialmente o Sol com uma peneira
Mas não se pode transportar água num cesto de vime
Nem fazer omeletes sem ovos
E pouco importa fazer ver aos outros
Agimos na tentativa de superar quem nos rodeia
Triste competição a dos seres fraternos
Acabam por molestar a alma por conivência
Deixando a dádiva entregue à usura
É de berço que nos incitam a competir
Reprimem o amor por ser desejo
Em contrapartida exigem sucesso e combate
E nas rezas pedem superação acima de todos
José Gomes Ferreira
Amar com gosto fresco
Com a tua boca ainda fiel
Deixa-me escolher o encanto
E acreditar que é tudo um começo
Se nas horas que te espero
Chegar eventualmente a apatia
O silêncio pode ser um auxílio
A saudade trará expectativa
Não preciso tirar os exemplos
Opto sempre pela sedução
No toque que arrepia
No olhar que lança chamas
Humildade é a paz do amor
Quando se dá com o coração
Puro são os beijos da repetição
E o desejo para sempre aconteçam
José Gomes Ferreira
O amor também é veneno
Laxante que despreza a alma
Quando encontra um ser pequeno
E nos tira o juízo e a calma
Não tem equilíbrio no amor
Pode até rogar ao vento
Pode dar graças pelo seu louvor
Finge ser sorte no pensamento
O coração é bastante agredido
Chega a conhecer a fatalidade
Por ser o órgão mais sofrido
Desconfia do respaldo da verdade
O mesmo coração pode ser canalha
Ilude com um falso querer
Depois não tem quem lhe valha
E na maldade não admite sofrer
José Gomes Ferreira
O passar da porta não define um novo amor
Nem a compra de ternura
No sentimento pouco importa o dinheiro
São os laços e a sintonia que definem o caminho
Pouco importam as palavras se não firmam uma intenção
De nada valem dois estranhos frente a frente
Sem haver um coração confiante e aderente
E sem que o sorriso descubra o encanto
Tem muita pobre alma entre paredes
Perdida em pensamentos que não mostram alteridade
Iludida com o sentido da felicidade como relação
Amor é primeiro a descoberta individual
Tem paixão que facilmente transita
Ocupada pela incerteza e desejo
Seguimos empurrados pela usura e o que fica bem
Enquanto evitamos pensar que apenas nos igualamos
José Gomes Ferreira
Adoramos as formigas no carreiro
E as abelhas no enxame
Sobretudo a obediência à rainha
Nas crises tem quem defenda ditaduras
Na falta de ideias, liderança e ordem aparecem como salvação
É certo que o ser humano é gregário
E alguns são de facto vassalos
Porém, o ser humano é cada vez mais individualista
Devemos estranhar quando defende qualquer ideia de ordem
É desobediente por natureza e por progresso cultural
Se defende consensos não é por concordância com poderes legítimos
É por convivência e preguiça
O individualista não quer saber da causa pública
Se se posiciona é para retirar proveito
José Gomes Ferreira
Temos o mundo à volta
Mas o coração bate mais pelo lugar de origem
Chegando a definir a nossa identidade
As nossas escolhas e práticas
Não que sejamos tradicionais
São os laços e afectos que definem a proximidade
E são o melhor aconchego
É frequente a origem marcar a nossa história
Quando não uma figura familiar
E a memória de acontecimentos
Corri um pouco do mundo
Tem dias que poderia sentir-me em qualquer lugar
Acordo e a primeira coisa que faço é confirmar onde estou
Porém o meu coração passeia pela minha aldeia
O enlace do pensamento com a tranquilidade acontece nas suas ruas e lajes
O sangue é bombeado ainda com a brisa da Serra
Quando o relógio dá as horas situo-me com precisão
José Gomes Ferreira
Tudo na vida é poesia
Mas isto não é um poema
É um manifesto
O repúdio pela glória da ignorância
O bocejo fácil de falsos líderes de opinião
Políticos, opinadores e degenerados de mentes rasas
Dizem-se influenciadores e comentadores
São o excremento boçal da propaganda
A falsa ideia de opinião para gerar atrito
Alguém que busca escândalo não lidera nada
Perderam-se as causas, só querem mostrar o corpo
E expor o endereço das redes sociais
Ao que se chegou na alma humana
Mais valia continuar a usar o penico
A evolução é cada vez mais retrocesso
José Gomes Ferreira
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