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Perguntam pelo preço da gasolina
Sem questionar o preço do pão
Ligam o motor para subir na colina
Tantas vezes seguem em contramão
Perguntam pelo preço do sucesso
Sem questionar a vida calejada
Conheçam primeiro o processo
Depois dêm graças pela empreitada
Perguntam até para invejar
Sem querer saber da luta
Questionam até o pestanejar
Sem terem cumprido a recruta
O que chamam conquista
É na verdade superação
Não basta ser-se idealista
É necessário acalmar o coração
José Gomes Ferreira
A felicidade tem sido também mostrada como popularidade
O que não deixa que os contactos sejam de graça
Temos muito medo do silêncio
Deixamos que seja tratado como solidão
Pelo que o medo se torna inevitável
Gera frustração nos laços e relações
Apresenta-se como metástases das expectativas
Não cortejamos o silêncio como ócio e paz
Como amadurecimento e viagem à luz interior
Sem a pressão dos orifícios e das mensagens
O silêncio é o filtro da observação e da poética da vida
Não existimos sem acordar as frases e as voltar a colocar no leito
Temos medo que o silêncio seja ocultação e desequilíbrio
Só que não existe qualquer motivo para sentir vergonha
Não nos deitamos com nenhuma prostituta
Apenas guardamos momentos para a contemplação e para enxergar as ideias
Não existe maldade na acção reflexiva
Faz bem às utopias e ao carisma dos caminhantes
José Gomes Ferreira
Viver o amor é uma garantia
Um pressuposto de felicidade
Mas tem quem no dia-a-dia
Não tenha a noção de fidelidade
O amor é belo e encantador
Seduz a alma e o pensamento
Porém é capaz de causar dor
Se faltar o mínimo discernimento
O amor é também luz e querença
Que nem sempre se cumpre na relação
Tem quem ame na base da diferença
E quem acredite no carinho da ligação
Tem o tradicional amor utópico
Vivido no silêncio e no segredo
Com o coração em cada trópico
E o desejo escolhido a dedo
O amor é ainda uma vertigem
A ilusão de paz e construção
A espera por encontrar uma virgem
Acaba por afectar muito o coração
José Gomes Ferreira
Não é para fazer balanços
Só não deixo de olhar para a pessoa em que me tornei
Não que me interesse esclarecer o caminho
Provavelmente foram os desafios que geraram tanto impulso
A timidez não foi um arranjo para me lamentar
Foi um recurso para definir a vocação
Para aproveitar a força do silêncio e da análise a partir da observação
Desde criança não davam muito por mim
Engonçado à nascença tardiamente aprendi a andar
Sem jeito para trabalhos agrícolas de perícia técnica não deixei de lutar
Ficava em casa para ir buscar água
Tirava água com um cabaço para regar ou tratava do motor que a tirava do poço
Cavava terra, rachava lenha, carregava os cachos e varejava as oliveiras
Sempre sem a função de podar, enxertar ou cortar as ramadas
Foi-me permitido ler e estudar
Foi autorizada a relação com a natureza, que incluía o pastoreio dos animais e o cativar da paisagem
Aprendi a escutar as histórias e a guardar segredo
A acompanhar as mulheres e a rir-me sem expressão das conquistas dos homens
Apesar tudo nunca cai na resignação e no respeito por mera obediência
Tudo isto porque nunca fui calado por opressão
Esperei cada momento de argumentação e escolhi as palavras
Se parei ao longo do percurso não foi por hesitação
Parei para dar tempo às opções sem nunca desistir
José Gomes Ferreira
Mesmo com o Sol escondido a vida ressurge
As pessoas movimentam-se na praça
Correm em família, isoladas ou em grupo
Cruzam com as cores da política propagada no auxilio de folhetos e carros com bandeiras
Está também presente a celebração dogmática dos profetas
É difícil distinguir crença de indefinição mental
Pode ser solidão e necessidade de posicionamento
A vida tem ainda definição no romantismo brega dos holofotes
Um cantor amador tenta assim chamar os corações
É interrompido por um carro publicitário
O extenso ruído interrompe igualmente as conversas
Talvez o amor passe por aqui de mão dada
A vida corre ainda no carrinho de mão do vendedor de caju
Todos buscam felicidade e sucesso
Uma universidade mostra os seus cursos
Seguem transeuntes com compras
Mães invisíveis guiam os filhos no caminhar
O meu silêncio é do lapso da observação
Do cativar das vivências sobre as energias súbitas
José Gomes Ferreira
Na espera da noite talvez uma recordação
Mas também a paz que apazigua
O bater suave do coração
E quando não um copo de água
Na madrugada que é descrita
Anda junto passado e futuro
Traz o amor para a escrita
E a dificuldade para saltar o muro
Quero tanto que o Sol nasça
E que a luz seja esplendor
Que acerte mais no que faça
E não fique apenas a pensar na dor
Assim fico também com as estrelas
E com o silêncio das horas lentas
Recupero as imagens mais belas
E afasto as cores da vida mais cinzentas
José Gomes Ferreira
O Nordeste agora recebe atenção
Porque produz energias renováveis
Tem até linhas de transmissão
E tem pessoas simples e amáveis
O Nordeste tem também o São João
E as romarias das Festas de Santana
O Nordestino é por natureza um bom folião
E tem cachaça de regalar a pestana
O Nordeste tem ainda sal marinho
E muito fruticultura irrigada
Tem muito povo ribeirinho
O problema é que se vem a seca não produz nada
O Nordeste é palco da política
Das promessas e controle eleitoral
Destaca-se por uma cultura específica
E pela beleza das praias do litoral
Não tenho simpatia pelo cangaço
Nem pela dominação das elites
O povo rejeita ser tratado como palhaço
As mulheres resistem até aos limites
O Nordeste é rico e plural
Mas o povo vive na miséria
O gado já não vai para o curral
A violência é uma coisa muito séria
José Gomes Ferreira
Nada deve ser dado com definido
Exacto, objectivo e com capacidade de ser gerado de novo
Se existe uma linha é uma ilustração
Uma marca no solo e nas ideias para representar firmeza
Dizemos também que é para separar as águas
E apontar que passos damos e que passos permitimos
Se existo o destino é marcado no momento
Potenciado por lutas e oportunidades
Nada é dado além do corpo e do lugar
O físico para além do moral e do afectivo
O que chamamos vida são as inserções
E tudo que nos faz partir e arregaçar as mangas
Usamos as paixões e os impulsos como forças propulsoras
No berço nasce riqueza e pobreza
Coroas e espinhos no compasso
A compaixão, criação e sedução belisca-se em andamento
E nas heranças educativas do habitar e pertencer
José Gomes Ferreira
Parece que estamos cada vez mais no volta atrás
Trazendo utopias sobre o homem bom
E sobre o significado da vivência em comunidade
É certo que o individualismo mata
E nos desgarra da moral e compromisso
Só que nada volta a ser como antes
Nem o antes que cabe nas representações era como se conta
Precisamos rasgar o ventre e as ideias
Em ruptura com velhas concepções
Mas sem nunca desfazer laços e sem atropelar a memória
A política não pode ser o único caminho à transformação do homem
Nem a cobiça por dinheiro e poder
A luta pela liberdade faz-se com empatia, fraternidade e sentimento
Não são os egos mandantes que devem determinar obediência
Como se o respeito fosse vassalagem ao senhor
José Gomes Ferreira
Este mês prometia ser bem movimentado e assim vai. Começo com as viagens regulares entre Natal e Campina Grande, na semana seguinte atravessei grande parte da Paraíba para dar aulas nos confins do Rio Grande do Norte. Esta semana rumei a Florianópolis, estado de Santa Catarina. Viajei a partir de Campina Grande, com escala em Salvador da Bahia, aeroporto de Congonhas em São Paulo para chegar a Florianópolis. A viagem foi com colegas e alunos da universidade, o que é sempre bom. O resto da semana tenho duas apresentações.
Os teus beijos perfumados
Sobem como bolas de sabão
Os traços da idade na mão
São como naftalina púrpura
O jeito das coisas mudas
O privilégio dado aos de fora
O espírito de luz e senso
A corrida para escrever a história
As flores que crescem no jardim
Talvez não aguardem o regresso
As batalhas são por vezes de água
Outras são as pétalas a espalhar vida
Por tudo que lutas consegues
Mesmo que enfrentes o vento
Em tudo o que acreditas tem paixão
O verdadeiro impulso que chega sem aviso
José Gomes Ferreira
Compramos comida feita
Usamos palavras mastigadas
Estamos obsoletos antes do tempo
Ungidos pelo comodismo
E pelas forças que apelam ao nosso silêncio
Temos o descaramento de falar em revolução
E que tudo é mais do mesmo
Só que na hora de mudar e mobilizar olhamos para o lado
Será por cobardia ou conforto
Também pode ser o romantismo do capital
A única certeza é que qualquer revolução é silenciosa
Não se faz com vidas vulneráveis perdidas
Mas como transformações no querer e no agir
Resta saber quando será a mudança
Quem efectivamente dá a cara e o corpo
Mudar também não se faz sem empatia e conhecimento
José Gomes Ferreira
Sigo até de fralda fora
Para não atrapalhar a ansiedade
Sigo e vou embora
A vida vive-se de verdade
No ouvido crio as próprias canções
E serei capaz de as cantar
Aceito que me apresentem soluções
Desde que tenha tempo para as analisar
Sigo crente no destino
E venerando a memória
Contando que haverá desatino
Pois nem todos os dias são de glória
Se assim me reinvento
Que sirva de algum exemplo
Para que não sejam trovas ao vento
E não apenas o que contemplo
Seguir em frente é um assunto sério
E não se faz sem motivação
Escutamos muito impropério
O que importa é a nossa satisfação
José Gomes Ferreira
Fico de olho no meu coração
E nos passos andados
Pois a firmeza e a imaginação
Tem sempre vários lados
O céu rasgado de tanto azul
As buscas pela felicidade
O caminho para o Hemisfério Sul
Escolher é acto de liberdade
Mitos e lendas dos lugares
A porta aberta que não se vê mais
A paisagem entre serras e mares
O encanto da natureza e dos animais
Situo tudo onde tiver sentimento
E onde nunca falte a paixão
A emoção é também alimento
Não existe vida plena sem vibração
José Gomes Ferreira
Cada dia fico mais grande
Não que o corpo dilate na altura
Ou me entregue ao orgulho do ego
O espelho continua no mesmo lugar
E eu gosto de ponderar a pomposidade
Fico mais grande perante os laços
As inserções e as mãos que me puxam
Como também perante o impulso criativo da reciprocidade
E da felicidade da construção
Fico mais grande pela luz que me ilumina
E tantas as vozes que mesmo em silêncio chamam por mim
Fico mais grande porque não caminho sozinho
José Gomes Ferreira
O meu pai faria 93 anos para a semana
Tudo parece que foi ontem
Ainda que tenham passado 48 anos da sua ausência
Nunca esqueço aquela manhã de Fevereiro
E o alvoroço dilacerante da sua partida
A dor da ausência sempre foi temida e vivida
Tanto na força para não perder a coragem e a face
Como nos laços subitamente fortalecidos
E no apontar da orfandade prematura pelos mirones
A vida precisa seguir encontrando brilho onde tiver memória
Dando espaço à imaginação e a novos acontecimentos
Cresci com quem me fez bem e deu razões
Ainda que as lágrimas não se completem apenas no suporte moral e educativo
E não esqueça a perda inesperada sem diálogo e regresso
O sangue e o simbolismo marcam-nos igualmente
Assim como as imagens fortes das suas viagens de Agosto à terra
Não sou mais criança, mas não esqueço do que me falava
Por onde tenho andado sempre me acompanha
Na certeza do seu amparo e relevância
Tudo o que posso fazer é continuar com a sua presença e fortalecer a existência
José Gomes Ferreira
A árvore acoita
Protege do Sol e da chuva
Dá sombra e corta o vento
Junta os vizinhos
Protege os animais
Dá madeira, folhas e frutos
No tronco assinalam-se paixões
Os ramos são habitat e vida
A árvore produz e armazena água
As raízes sustentam o solo e as vibrações
A madeira aquece e ferve a comida
É também usada na construção e navegação
Nos ramos baixos penduramos cordas e baloiços
Tem algumas altas e outras rasteiras
As coloridas espantam a paisagem
As reunidas criam um tapete verde
Consomem dióxido de carbono e libertam oxigénio
Tem algumas monumentais e outras encantadoras
Umas são sonhos de menino, outras memória de gente grande
A árvore é esplendor, saúde e bem-estar
José Gomes Ferreira
Dizem que o inferno passa
Mas nem tudo é sonho
Se fosse futebol os incendiários ganhavam a taça
Só eu não sei se a tal me disponho
Acompanho muitas notícias
Quero dar credibilidade aos jornais
O problema são as mensagens fictícias
E as mentiras com impactos fatais
Tem muito fogo posto na informação
E muita vontade de atrair leitores
Exploram ao máximo sofrimento e emoção
Tem na disputa interesses superiores
Precisamos de paz na terra
E empatia entre as aldeias
Tudo isto tem cheiro a guerra
E tem muita política nas ideias
José Gomes Ferreira
Tenho cruzado estradas e observações
Assim como as minhas vivências de muitos anos
E as opções a partir das escolhas do caminho
Apesar da leitura de fio de linha a realidade é distinta
Não é necessariamente polarizada e não é homogénea nas práticas
Revisito lugares distantes e tiro notas mentais
Não me impressiono com as pessoas sentadas à noite na calçada
Essa prática é semelhante no quotidiano
A diferença está na ausência de televisão ligada nas casas
As famílias também não estão em silêncio e de costas voltadas focadas na atenção às redes sociais
Ao longo da estrada e das ruas as pessoas dialogam à porta de casa
Deixam chegar a noite sem a angústia das notícias e contacto digital
Existem outros tempos nos tempos de hoje
Viajo não apenas entre cidades
Revivo o que era comum na adolescência
Nunca é o tempo que corre, nós é que não o colocamos em destaque
José Gomes Ferreira
* Esta quarta e quinta-feira viajei 800kms (ida e volta) para dar 16h de aula na pós-graduação da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, num dos campus do interior, situado na divisa da Paraíba e Ceará. Já tive um breve vínculo formal com o programa, mantenho a colaboração com algumas disciplinas de um amigo. Na ausência de estradas em condições de segurança o motorista da universidade optou pelo percurso óbvio, percorrer a chamada BR230 até Sousa (Paraíba), a terra das pegadas de dinossauro, e seguir depois para a BR405, esta no Rio Grande do Norte. É sempre um prazer esta participação. Conhecer o Brasil profundo e diverso é um encanto, em particular o Nordeste e o semiárido, cujas representações externas muito mal falam, mas sem conhecer.
Não sou agarrado aos sonhos de menino
De voar e aproveitar a inclinação do terreno
De levar à prática o escorregar na laje, ainda que fosse motivo de castigo
Ainda assim tenho saudades de coisas simples
Lembro como no Verão dormia a sesta
Não necessitava de ir para o quarto
Ficava na chamada loja, a arrecadação da casa no piso térreo
Tinha duas arcas de milho de madeira, dormia sobre uma delas
Tenho saudades desse tempo simples
Como do som da água a descer do centro da aldeia por um rego pelos lameiros
Tinha um som em espiral, como uma filarmônica a tocar a natureza
Tenho saudades do momento da piqueta na azáfama das tarefas do campo
Lembra-me o cuidado que os meus avós dedicavam à nossa alimentação e educação
Poderia ser apenas pão de milho com azeitonas
Mas nunca faltou esse instante de paragem e recuperação de energias
Na época da fruta tinha sempre esse complemento
Fazia o mesmo com pequenos pepinos criados na vinha
Essa piqueta era acompanhada de um pouco de vinho tinto
Antes dos meus 15 anos decidi deixar de beber, retomei décadas depois
Tenho saudades de momentos em que agia como viciado
Quando encontrava um velho jornal não dava atenção a mais nada
O mesmo acontecia quando encontrava uma pinha mansa com pinhões
Ou quando pegava na navalha e tentava esculpir algo na madeira
José Gomes Ferreira
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