Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Andamos a perder muito tempo com disputas vazias, relacionadas maioritariamente a dimensões externas, como o futebol e a polarização política. Com a agravante de, em pouco ou nada, contribuírem para a nossa participação no espaço público. Já lá vai o tempo em que o futebol era, também, uma festa das famílias, ainda que mais vinculado às sociabilidades masculinas. Alguns jogos da taça relembram essa memória. O futebol não passa agora de disputa de marcas profissionais e de empresários que pela identidade histórica conseguem movimentar milhares de adeptos.
Parte da nossa vida tem sido para erguer essas bandeiras. Não que não devam ser erguidas, mas a vida vivida tem outras dimensões e chama-nos a outros envolvimentos. Num contexto cada vez mais individualista e ameaçado precisamos regenerar velhos laços, antigas práticas e o nosso próprio entendimento e relação com a comunidade e com o planeta. Estar integrado não é apenas ir ao futebol, votar, ir à missa, ir tomar café após o almoço e participar nos jantares de Natal.
Existem exemplos de comunidades de vizinhos que se mostram interessantes. Precisamos reforçar os laços através de iniciativas concretas, não apenas de bailaricos e sardinhadas, mas igualmente de vivências de proximidade, como sejam as conversas no início da noite à porta de casa. Assim como de iniciativas mais abrangentes que dão a conhecer o território, o património e/ou pessoas que se destaquem na sua acção. Sem esquecer o debate dos problemas do local e desafios que a comunidade se dispõe alcançar. Muita coisa pode ser feita, em parte recuperando o espírito de vizinhança nas aldeias e a capacidade de transformação das antigas comissões de moradores.
Outras experiências passam por regenerar as relações intergeracionais. Tradicionalmente é marcante a presença dos avós na educação dos netos. Necessitamos alargar de forma geral essa presença na aprendizagem e vínculo entre gerações. Algumas reportagens dão conta de situações em que algumas pessoas idosas acolhem jovens, normalmente jovens estudantes, constituindo potencialmente uma matriz de acolhimento a partir da necessidade dos jovens alugarem um quarto nas principais cidades. Nas aldeias os Centros de Dia têm um papel fundamental no cuidado com os idosos, mas podemos ainda fazer mais, desde que as políticas locais contribuam. Esses Centros recebem a visita de crianças de instituições locais, falta ainda uma recolha e transmissão de experiências para as gerações locais e futuras. Estamos a apagar a nossa história oral com a partida gradual dos mais idosos.
Falta igualmente regenerar a própria natureza e a nossa relação com a mesma. Sociedade e natureza aparecem como algo separado, compartimentado, mas o ser humano é parte da natureza, a diferença é que é o único que a está a modificar. É necessário reactivar ou reforçar esses vínculos e dar a conhecer riscos e oportunidades. Devem ser divulgados os bons exemplos para que sirvam de meta, mas não vamos esquecer os impactos humanos. É aqui que entra a regeneração dos ecossistemas como tendência e urgência. Nas próprias cidades, vilas e aldeias os espaços abandonados devem ser regenerados e devolvidos à fruição humana ou mantidos como áreas de protecção integral.
O jorro de notícias e o conforto caseiro fecham-nos em quatro paredes e um ou dois argumentos, necessitamos sair à rua, dialogar mais, envolver mais, abraçar mais, acreditar mais. Precisamos construir e inverter o desfazer de relações. Essa mudança não passa exclusivamente por políticas públicas, mas pela dinâmica social. As comunidades já possuem colectividades que podem ser um ponto de partida, mas outras podem surgir. A arte e o desporto de base sempre agregaram, temos muitos bons exemplos a seguir.
Acordo cedo e quase me confundo na saudade
Por breves instantes parece que não sei onde estou
Pertenço a tantos lugares que o meu coração precisa ser calibrado
Chega a acordar em outro Hemisfério
Acorda também em outra cama
Sempre acordo só nessa estranheza
É o meu viver de lembranças que me desloca
Não é necessariamente um deslocamento por desejo
Aceito cada passo como a realidade do momento
Mas na noite viajo mais pelo inconsciente sentimental
A madrugada representa a chegada ao cais da razão
Ao ponto de onde parti de malas aviadas na noite anterior
Tantas vezes acordo menino, outras apronto-me para vida no campo
Tem ocasiões que madrugo para abraçar Lisboa
Se estou em Campina Grande acordo nos resquícios nocturnos de Natal
Quando estou em Natal sinto o silêncio de Campina Grande
Não, não estou louco. Estes são meros micro segundos
Nem é uma conjugação literária
São flashes fictícios do rebolar da vida
José Gomes Ferreira
Organizarei uma serenata para encantar o meu coração
A chuva lá fora dá o tom e acrescenta charme
Outras notas podem ouvir-se de um pequeno rádio
A imaginação balança entre cada melodia
Os lábios ficam rosados dos sorrisos
Quase a adivinhar os beijos em falta
Algumas estrelas escapam às nuvens e chamam a sedução
Sinto um arrepio no corpo e no sonho
Falo o melhor de mim, deixo os olhos a brilhar
Acendo duas velas para lembrar o toque e as carícias
Só falta no encalço o amor chegar
José Gomes Ferreira
A nação parece reduzir-se a um jogo da bola
Com símbolos e heróis em diferentes papéis
A identidade nacional parece inverter-se
Ronaldo substitui Vasco da Gama ao intervalo
Pepe não deixa entrar Pedro Álvares Cabral
Diogo Costa manda todos para o Camões
E Félix não vai dormir a pensar na espada de Afonso Henriques
Tal a epopeia que nos narram e envolvem
Talvez alguns relvados nunca tenham sido calcados
Ainda que os mares e voos prometam obras valerosas
Neles deambularam tão ilustres lusitanos
Os árbitros e dirigentes assinalados
Que do Ocidental derrotismo não fomos para além do prolongamento
Fere-se a popularidade e o orgulho
Na fama das vitórias que faltaram
José Gomes Ferreira
Parem de romantizar os laços de proximidade
Mente quem disser que os amigos sempre nos encorajam
Mente quem disser que a família sempre nos apoia
Nem toda a verdade é uma constante
Tem amigos e familiares que insistem que se siga o caminho que gostariam de seguir
Por vezes insistem num caminho que se arrependem de não seguir
Não é necessariamente inveja ou condenação
Podem ser subjectividades decalcadas
Também pode ser o reforço do trajecto
Não deixam de ser palpites que irritam
Uma ou outra vez afastei-me
As minhas distâncias físicas podem levar ao esquecimento
Evito é agir com um repertório de análise de opções alheias
José Gomes Ferreira
Um dia vou precisar abrandar
Um dia quero abrandar
Não que esta corrida seja tortura
Também não causa enjoo
Nem molesta os neurónios
Ou derrota quem se aproxima
É o ciclo da vida e das provas
Vivo um dos momentos mais intensos
Naquilo que tem sido a intensidade do percurso
Não é a gula que me move
Nem a temática da exibição
Sempre foi a necessidade e o gosto
Cada vez mais o prazer do ensino e da partilha
Haverá outras perspectivas de narrar
Acrescento o orgulho póstumo dos ancestrais
Falhei? Certamente tive falhas
Não é por isso que abandono a luta
José Gomes Ferreira
A chuva escorrega nos interstícios
Atrasando a luz solta do lusco-fusco
Os pássaros cantam em glória
Uma nova manhã começa
As gotas de água batem sonoras nas superfícies
As pedras da calçada lavam-se agora após dormirem ao relento
Também os pensamentos são retomados
Rapidamente correm pelos afazeres das próximas horas
Ainda não se escutam os vizinhos
Nem o aroma a café e coração mole
A saudade começa com o que se repete
É necessário o corpo mover-se na circunstância
Reposicionar os alicerces que o agarraram ao sono
Não se detectam vestígios de sonhos e reboliços
Mas não tem noite sem as carícias da imaginação
José Gomes Ferreira
Corpo perfume
Olhar sorrateiro
Brasa a arder ao lume
Amor a pensar no primeiro
Corpo embalo
Capaz de delirar
Macho a cantar de galo
Galinha sem poleiro para ficar
Corpo formatado
Padrão modelo
Jeito comportado
Produzido para fingir ser belo
Corpo de adoração
Prenda da luz das estrelas
Corpo manipulado na Criação
Alegoria de jantar à luz de velas
José Gomes Ferreira
Acalma coração
Que a luz é uma carícia
Que a voz chama o amor
E os dias são um benção
Acalma coração
A ansiedade não traz benefício
A pressa não permite observar
A arrelia pode ser fatal
Acalma coração
Conhece-te nas pausas
Escuta o teu bater
Deixa-te conhecer
Espreita a vida e a paixão
Anda comigo passear
Viver a paz e a harmonia
Marcar a tua forma numa árvore
José Gomes Ferreira
Não, não me politizei
Não me interessa a vida partidária
Mas não ficarei calado perante a disputa e chantagem
Perante a coercitividade do slogan para empoleirar o galo
A palavra do bafiento que se acha dono da razão
Não ficarei calado perante a ordem reacionária
Quanto mais calados mais submissos
Lá diz o povo: quanto mais me baixo mais o cu se me vê
Não adianta usarem bandeiras se não têm soluções
Se os problemas tivessem solução fácil já teriam sido resolvidos
Milagres servem para pôr as almas a marchar
Não trazem a luz que só o diálogo construtivo concede
José Gomes Ferreira
Tatuo a tua imagem no pensamento
Como um Deus que me abençoa
Venero-te na dificuldade e ao relento
Escuto o que na rua o vendedor apregoa
Tatuo nos lábios as mais belas palavras
São hesitações que nunca te direi
Na hora de falar ainda encontro travas
Fico na dúvida se sou eu ou delirei
Tatuo na pele as tuas carícias
Aquelas que gostaria de sentir
O meu pensamento não tem malícias
Deixarei o meu coração me substituir
José Gomes Ferreira
* Não tenho nenhuma, nem posso ter por questões de saúde, mas não tenho nada contra, ainda que me espante com exageros.
É preciso paz para avançar
Se o sangue chega tarde
O sonho não sabe o que fazer
Onde está a justiça
A força que andamos à procura
Tem choro na rua e no silêncio
Prisões sem muros para além da caridade
Oferecem esmola às cinco como labor orçamentário
Juntam-lhe propaganda e separam a felicidade
Liberdade não é apenas dizer o que penso
Visitar locais sem ser molestado
Se não tenho pão e educação não sou livre
Sou hostilizado com base na condição
E olham para o morro fazendo troça das dificuldades
Na curva da vida a mesa não está posta
Conta a barriga vazia de quem não pode lutar
A solidão de quem não existe para as contas
Quantas vezes tentamos falar
Encontramos a porta fechada
E um aviso para se seguir caminho
José Gomes Ferreira
Não posso querer
Vigio até ferida de arranhão
Tudo o que possa doer
E não deixe o sangue estancar
Por uma vida inteira de razões
Na crónica do cuidado
Tem saúde que debilita
Mesmo levada com leveza
Como posso esquecer
Se por vezes deixo de me escutar
Enlouqueço a consciência de fraqueza
E deixo de responder pelos actos
Estanho-me tanto em descontrole
Suspeito que me vejam outra pessoa
Não quero magoar-me ou fazer figuras
É urgente adocicar até as lágrimas
José Gomes Ferreira
O povo já foi gigante
Já usou o coração e a empatia
Não havia rótulos ou classificações
A polarização que arrasta para as tragédias da história
O povo foi belo e sedutor
Moveu-se pela liberdade
Escolheu os princípios básicos da Civilização
É certo que nem sempre esteve bem representado
Mas o povo já trouxe esperança
Não colocava o poder à frente de tudo
Não era a avidez do lucro que marchava nas ruas
Nem a rejeição do outro fragilizado
O povo vê-se agora sem rumo
Movido pela desinformação e cólera
Onde iremos parar apenas de língua afiada
O povo é agora uma manta de retalhos
Falsos patriotas em fato de cerimónia
Discursos de salvação que apontam para a guerra
Areias movediças que adivinham catástrofe
José Gomes Ferreira
Salto à corda sem a vigilância de jagunços
Como criança em corpo e vida de adulto
Salto livre desde que o orçamento ajude
A minha preparação é um teste
Assim como os padrões e regulamentos a que devo obedecer
Nos meus valores não tem divisão de género
Salto na rebeldia ingénua da adolescência que vivi
Poderia existir a barreira da fome e futuro incerto
Na rua não havia bloqueios e divisões por pertença
Cheguei a frequentar escolas separadas
A ser separado na humilhação da pobreza
Hoje isso nada me interessa
Salto à corda e penduro-me nas oliveiras
Mesmo que achem impróprio o comportamento
José Gomes Ferreira
Como que amiúde
Pensamos por lote
A esconder cada virtude
A adiar processos a magote
Não adianta disfarçar
O que se acha sucesso
Temos motivo para rejeitar
A civilização enganada com o progresso
Não adianta morrer
Em guerras que não pedimos
Levamos o pobre para sofrer
E com a fé o iludimos
Andamos com o dinheiro à solta
E com o rabo entre as pernas
Escondemos muita revolta
Disfarçamos as injustiças eternas
José Gomes Ferreira
* Por cortesia do grupo de cavaquinhos lá da terra tive alguns poemas meus musicados, aconteceu no acto de lançamento de pelo menos um dos meus livros. Não tenho qualquer ambição poética que não a da partilha livre, mas muito gostaria um dia de ver um dos meus "poemas" cantados ou ditos.
A minha droga é o silêncio
A paz que convive com o isolamento
A satisfação trazida pela observação
A quietude que perpassa a luz
Essa é a minha principal droga
Tomo várias doses sem parar
Injecto nos sonhos e nas veias
Sopro o pó ou inalo as partículas
Ignoro as representações e castigos
É uma droga sem preço ou testemunho
Por ela não vou preso, já sou prisioneiro
José Gomes Ferreira
Sobre a luz também me questiono
Quando a expressão se acaba
E porque demora o socorro
Da fé que julgam acreditar
Das sobras de Deus no desespero
A forma como cada um se conforma
E tece as ilusões que dão força
Mesmo sem divindades e preces impossíveis
Sobre o conforto da alma não ficamos indiferentes
Criamos mitos, fábulas e uma moral superior
Parece que tudo remete para ordem e salvação
A ordem do universo na sua indeterminada dimensão
A salvação como redenção do pecado
O inferno como possibilidade de tudo ser pior sem sacrifício e abnegação
Palavras de uma civilização dividida
A luz nas trevas como narrativa de obediência
José Gomes Ferreira
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.