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O problema do amor é a pressa
O receio de ficar para tio ou tia
A pressão social para concretizar a felicidade nas relações
O sopro ao ouvido de quem está de fora
A idade de reprodução e criação
O problema do amor é a imitação
A glória pelo namoro com ídolos
O idolatrar de figuras simbólicas
O gosto em romantizar a aparência
E assumir que luxo é emoção
O problema do amor são as expectativas
É a realidade destoada da idealização
É não se saber onde fica o sentimento
E conseguir chegar à materialidade da cabana
É julgar que desprendimento é liberdade
José Gomes Ferreira
Quando o amor chega cedinho
E se solta na praia
Sereno e arejado
Com as ondas nos meus pés
E o rosto limpo ao vento
As mãos dadas a chamar
O coração que bate quer viver
Esse é o momento
Tem como me fazer feliz
Em todo querer
E no que queremos que aconteça
Isso me satisfaz
Deixo me levar
Rodopio na paz
O colorido diz o que pertencemos ao lugar
No tempo que chega e vai
O gosto de caminhar
O futuro ali tão sorridente
Mostra-se em cada imagem
Dá vontade de nunca parar
José Gomes Ferreira
* A foto é de caminhadas anteriores. Este ano a morar em duas cidades acabo por não ter tempo para visitar a praia de Ponta Negra, que fica apenas a cerca de 3 kms.
Acho piada quando classificam a poesia como desabafo
Como ferramenta usada por pessoas complexas
Uma espécie de oração a um Deus imaginário
Mas sem o valor da observação e da imaginação
Sem o reconhecimento do mergulho nas incógnitas da vida
Algo apenas como obra do sujeito nas suas deambulações
Não está em causa se escrevo bem ou mal
Se consigo atrair consciências e corações
Recuso-me assistir à tragédia da Humanidade sem me pronunciar
Rejeito admirar a natureza e as relações em silêncio
Não oculto a memória, os laços e o entendimento
Poderia limitar-me a expressar opinião
A poesia é também uma estética sobre a realidade
José Gomes Ferreira
Tem a luz e a água
A vontade humana
A escolha e a semente
O amor que transborda
Pessoas de língua afiada
Deuses para a salvação
Dizer tudo não é benevolência
Tem a guerra e a prosperidade
O gosto do beijo
A pele rosada da fricção
A imaginação
O desejo do pensamento
O canto dos pássaros
Acordar no leito
E a alegria de estar vivo
O prazer de ter sonhado
José Gomes Ferreira
Felicidade é quando estamos tristes e chega um abraço
Felicidade é quando não encontramos saídas e abrem-se muitas portas
Felicidade é também quando os nossos amigos e parentes têm sucesso
Felicidade é quando a saúde ajuda e o amor coordena
Felicidade é quando a luz supera as sombras
Felicidade é quando os nossos olhos brilham por se alcançar cada meta
Felicidade não é necessariamente ficar rico
Felicidade também não é conquistar a mulher mais bonita da festa
Felicidade é a exteriorização de toda a existência na remissão dos laços e do esforço
Felicidade não é ser eleito, é ser escolhido
Felicidade é quando a alma encontra o corpo e não hesitam desfrutar
José Gomes Ferreira
Você que representa a nudez
E esclarece os meus pensamentos
Tem na vida uma canção
Abre as portas ao amanhã
Tem uma voz com que respiro
Você na sua calma e paciência
É o meu desejo de perfeição
O sonho que aguardo acontecer
Passo a passo na utopia
O meu paradoxo sentimental
Você que nem imagino
Deve existir para me completar
E reconhecer as portas do meu coração
Bem querer à espera que aconteça
Dizendo que é tudo segredo
Mesmo que seja o meu despreparo
Não sei quem é, mas faz-me falta
A completar a beleza e preparar os olhos
A luz que chega e conta a fragrância da paixão
José Gomes Ferreira
* Escrevi em modo português do Brasil, apeteceu-me. Teve uma época em que fazia uso dessa expressão: não sei quem és, mas fazes-me falta.
A água corre nos rios
O seu destino é o mar
A vida tem desafios
Precisamos lutar para os alcançar
O coração é o motor
O motivo de todo correr
Ele é também um sedutor
Sofre e faz sofrer
O Sol raiado é plenitude
Um rosto feliz é encanto
O respeito é atitude
Remoer no passado é pranto
A natureza é uma parceira
O amor é comprometimento
Estamos a descer a ladeira
Achamos que a solução é o casamento
Tem muitos sonhos em nós
E muita mentira de fazer acreditar
Quando se derrubam os dominós
O pensamento chama à Lua hesitar
José Gomes Ferreira
Flutuo na temporalidade
E no amor que se esvaziou
Somente existiu em mim a verdade
A certeza de alguém que te amou
Digo bem haja pelo que vivi
Lembro cada manhã que acordei
Felizmente da perda sobrevivi
Mas jamais me conformei
Faço de tudo passado
Sem rancor ou perdão
Se fiquei magoado
Foi por me entregar à paixão
Sempre fui para ti autêntico
No simples da vida querer
Falhei no fingir romântico
Ganhei nas distâncias a percorrer
José Gomes Ferreira
A sorte no ar e nós sem saber
Tenho os pés no pó para ninguém ver
Eu sem querer preciso mudar
Também tenho vindo a adiar
Não guardo a lenha da lareira
Nem as margens da beira rio
Em tudo isto anda o clima a mudar
E o povo já não sabe o que fazer
Também eu me inquieto e chego ao mar
Tenho queixa da incerteza
E da falta de padrão para acreditar
A cada febre a sua beleza
Para vencer é preciso tocar tambor
Alertar para o fogo na mata
E para a enxurrada que pode chegar
Se o vizinho não te diz nada
É por achar que tem razão
Não tem mais milagre dos peixes
Nem pão para dividir
Mudar faz bem, só precisamos acreditar
A porta está aberta
Vai na frente ou colectivo, depois eu vou chegar
José Gomes Ferreira
Aqui quem nos ouve é o amor
O silêncio sempre atento
Todas as palavras a arrepiar
A pele que se toca e solta
O olhar fixo na luz a cada hora
A carícia que não podemos ignorar
Aqui quem nos beija é a imaginação
Tudo o que faz falta no tempo
A parceria que se deixa embalar
A alegria que não se quer perder
O incentivo vermelho dos lábios
A espera da noite do sonho adiado
Todos os prodígios da reciprocidade
Aqui quem nos ouve é o corpo a rebolar
A emoção do caminho sem pressa
O encanto na escolha da lua molhada
Os olhos fechados sem querer acreditar
O grito surpresa que acorda os solitários
O romance à espreita que manda acreditar
José Gomes Ferreira
Deveríamos falar seriamente sobre a crise climática, mas falar com vontade de transformar. Infelizmente estamos a perder essa guerra. Tem uns que argumentam que, além da terra ser tão plana quanto a cabeça deles, que esse é um tema da agenda neoliberal, tal como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, então no seu negacionismo anarquista acham que não se deve fazer nada. No outro extremo, principalmente os cientistas e ambientalistas, consideram ser um grande problema que coloca em causa o futuro da humanidade. Pelo meio fica clara a dificuldade da informação ser interiorizada para se passar à prática e do tema ser mais do que pronúncia de política pública. Assim, a população que antes se mostrava muito preocupada está agora dividida e engolida pela febre do "não quero saber".
É urgente actuar, mas aqui confesso o meu cepticismo. Naturalmente que não é um cepticismo relacionado com a dimensão descomunal do problema, não tenho qualquer dúvida que é urgente tomar medidas concretas e articuladas. A complexidade da crise climática convoca-nos a todos a agir e de forma integrada na mitigação e adaptação dos impactos nas suas várias dimensões.
A questão é a seguinte: se não fomos capazes de resolver problemas ditos de primeira geração, que se arrastaram nas últimas décadas, agravando a degradação do planeta, quem nos garante que agora vamos assistir a uma mudança de paradigma na resposta das políticas públicas, da economia e cidadania? Não existe essa garantia, pelo contrário, o sistema capitalista avança ferozmente na exploração da natureza ao mesmo tempo que o desperdício e as desigualdades aumentam.
Precisamos ir para além da agenda tecno-económica das alterações climáticas, de que a ciência também se beneficia, e implementar uma resposta efectivamente transformadora. Para tal precisamos de agências multilaterais internacionais fortes e com capacidade de coordenação com os governos nacionais nos mais diversos níveis. A comunicação social e a cidadania jogam aqui, igualmente, um papel importante, pois nada se faz sem informação credível, em rede e descodificada para todos os públicos-alvo. A agenda de cidadania é crucial, na medida que pode pressionar as políticas e pode levar a uma mudança de práticas, por exemplo, de mobilidade, de mobilidade e lazer.
A aposta nas energias renováveis e na mobilidade está a dar mostras de fazer parte dessa agenda neoliberal. Falar aqui em sustentabilidade é uma verdadeira falácia. Não exclusivamente por causa dos impactos nas comunidades mais vulneráveis, mas pela corrida a metais preciosos e pelo facto de se apostar, no caso da mobilidade, em automóveis de alto padrão. Quem identificar aí qualquer laivo de transição energética e redução de desigualdades não estará a ver bem a coisa. A crise climática não tem retorno, mas este caminho não nos serve.
* Desta vez trago outro tipo de reflexão, que está também presente na poesia, mas neste caso dá para alargar o debate, ainda que seja a partir do bloco de notas do telefone.
Coloca os pés no chão
Não sejas cabeça no ar
Podes andar de balão
Só não te podes é te descuidar
Deixa de dar atenção
Ao que aos outros importa
Se tens uma meta e uma paixão
Vai-te embora e fecha a porta
Cuida dos teus preceitos
Foca-te na tua vida
Tem aplausos que se compram feitos
Tem também muita gente perdida
Não adianta colocar mel em camadas
Sem bom pão para o barrar
Tem muitas mentes afamadas
Que não sabem nem falar
O teu destino é o teu caminho
Qualquer abraço é reforço
Não sejas sempre ave no ninho
Mentaliza-te que nada se faz se esforço
José Gomes Ferreira
Escuto e reajo ao labirinto de ideias
Chego a vacilar perante a imensidão
Nem toda a complexidade pode ser síntese
Nem todo o amor pode ser compreendido
Escuto e fragmento os instantes
Tapo-os com a luz da alma
Apimento beijos e escolhas
Recorro à memória para me citar
Tem tanta chuva que se esquece
Pusemos os pés na lama, mas tudo isso esquece
Comemos pão e azeitonas
Não chegámos a ver o diabo
Nem a confirmar se amassou esse pão
De um momento para o outro é o destino
O suor que cansa o riso
O trajecto para narrar peripécias
Adoramos acrescentar pontos
Mesmo quando os olhos brilham
A intensidade da vida vivida é mágica
Escuto e acalmo o coração
Não que viva aflito em permanência
Apenas precisa do sentir macio das flores
Dos aromas profilácticos do desejo
Não vale a pena correr de angústia
A existência é mais curta que o ar
Precisamos respirar fundo
Iremos sempre chegar ao mesmo destino
José Gomes Ferreira
Espero que os meus antepassados se orgulhem de mim
Mereço o seu orgulho na luta e dedicação
Mas também em reproduzir valores básicos
Sou herdeiro de gente simples
Sempre viveram da pequena agricultura e das bicas da resina da mata
A maioria não sabia ler ou escrever
A minha avó apenas sabia assinar o nome
A minha mãe lê bem as legendas da televisão
Apesar de tudo frequentou a escola durante 3 anos
Não aprendi as primeiras letras no berço, foi na escola
No berço aprendi que sem trabalho nada vem
E que a honestidade e simpatia são preceitos obrigatórios
Sem esquecer o princípio mais básico: se eu não lutar pela vida ninguém vai lutar por mim
Os meus pais foram emigrantes, quiseram uma vida melhor para nós
O destino foi traiçoeiro, muito jovem fiquei órfão de pai
Mesmo no avanço da idade a minha mãe representa toda a abnegação e caminhada familiar
Já vivi várias vidas até chegar aqui, com sonhos e perdas continuei
Sigo consciente das dificuldades, mas honrado na dignidade da trajectória
Dificilmente deixarei descendentes
Não é por isso que prescindo de marcar o exemplo
José Gomes Ferreira
Ninguém vai dançar se não souber ouvir
Ninguém vai escolher se não souber perdoar
Ninguém vai lutar se não tiver ambição
Ninguém vai amar se não tiver coração
Ninguém se vai salvar se não tiver humildade
Temos tanto para construir, escutar e aprender
Não nascemos feitos, mas o berço define o carácter
Precisamos de abraços e de virtudes
Estamos fartos das lentes e da saturação dos programas
O cansaço vem da parentalidade da repetição
Precisamos de inovar e diversificar
Não adianta insistir em certezas quando o que temos é complexidade
José Gomes Ferreira
Parcela por parcela, lote por lote
Sempre houve zanga nas partilhas
A resignação nem sempre foi estipulada
Nem sempre os herdeiros têm igualdade no tratamento
O mesmo acontece fora da herança
O amor nem sempre é igual
Pode um filho ter tratamento diferencial
Não necessariamente em termos materiais
Por vezes ocupa determinado lugar à mesa
Tantas vezes a diferença está na distribuição da comida
Um recebe o peito do frango
Outro pode ter o privilégio das coxas
São meras subtilezas marcadas
Isso não significa que não exista reconhecimento do outro
Pode acontecer por mera protecção
Nem sempre o efeito é reconhecido e gera o impacto pretendido
Proteger em demasia não é necessariamente educar
Gera mais bloqueios que forças
Depois tudo se agrava na diferença em dividir os bens
É tão difícil agradar quando a vida repousa no conteúdo material
E estrebucha na ilegalidade do benefício
José Gomes Ferreira
Cada poema é uma oração
O instante sagrado de encontro do desejo com o corpo, alma e espírito
Mas não venera seres supremos
Nem dogmas profilácticos
Expõe as vísceras do sujeito
A sua liberdade e constrangimentos
Só que ajuda a revelar e construir esse sujeito
Não é um hino ao ego e virtudes pessoais
É um mergulho no sargaço quotidiano
O olhar da multidão quando pensa que gritei
O aplauso quando apenas me cansei
Cada poema é devoção
O escaparate do mundo na romaria da difusão
A aceitação dos mitos em dias sonoros
José Gomes Ferreira
O universo da rádio e televisão não era apenas mais romântico
Era mais agregador nos laços e escuta
Havia menos escolha, mas era cuidada
Não se limitava a repetir modelos
Nunca pensei chegar-se a este ponto
Da total redundância sem alternativa
Também não tinha isso de animador de rádio
Tinha jornalistas para as notícias e responsáveis por programas de autoria
A televisão separava a continuidade do jornalismo e do entretenimento
Não havia programas para encher chouriços com chamadas de calor acrescentado
Os convidados eram figuras de destaque ou grandes apostas
Não havia pretensos artistas a pagarem para aparecerem
Havia uma aposta em música e cinema de grande qualidade
As notícias remetiam-se a 30 minutos
Não ficavam a esfolar o cabrito até não ter mais carne
Mais canais e frequência trouxeram apenas urros
Não adianta aumentar o número se se perde a diversidade e originalidade
José Gomes Ferreira
Dizem muito bem de antigamente
E que havia muito distinto senhor
Não sei se era vinho ou aguardente
Também havia muito burro a pensar ser doutor
Antigamente havia paz e obediência
Fome e ilusão de felicidade
O povo dizia de tudo paciência
Resignado com a ideia de liberdade
Agora todos têm o rei na barriga
Tem quem tenha a pança cheia
São capazes de comer sopa de urtiga
Só não lhe chega sardinha e meia
Dividi pão com azeitonas
E a manta com muita mulher
Não falo de dormir com matrafonas
Mas de comer toda a comida com colher
Hoje olham para os meus preparos
E para a minha aparência
Quero que se lixem nos seus raparos
A imaginação também tem ciência
José Gomes Ferreira
* Manta não é manta para proteger, mas a secção de terra a remover/removida quando cavada.
A paixão está em tudo o que tocamos
Sem paixão somos amorfos
Engolidos pela rotina
Aceites na ritualização da vida
Mas sem a ambição da luz
Sem qualquer querer subjectivo
Sem paixão o coração não bate
Funciona no exercício da sobrevivência
É educado e prestativo
Falta-lhe vontade própria
Desatino no querer
Gosto pela conquista e intensidade
Sem paixão não temos interesse
Nem objectivos definidos
Somos apenas cópia de cópia
Retrato na parede a fingir glória
Espasmo de existência praticamente sem se ter nascido
José Gomes Ferreira
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