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O que o coração não tem
A carteira não enche
O que o carácter privilegia
O sucesso não contempla
O que a amizade acrescenta
A servidão mostra interesse
O que a multidão multiplica
A solidão não conhece
O que a paixão une
O individualismo ignora
O que a Lua encanta
O amor passageiro não vê
O que a teimosia não quer
Os olhos já conhecem
José Gomes Ferreira
Amor como podes
E até quando
Privar-me de ti
E das noites de luz
Tu que eras carinho
E a dignidade exemplar
Amor como podes
Ser o fim do sonho
E o amanhecer sem êxtase
A minha memória perdeu
Já não se repete
Não espera por ti sempre
Amor como podes
Sair-me da ideia
Por mais que queira
Desconheço as razões
Talvez seja a descrença
E a dignidade do sentimento
Amor como podes
Não ser sempre Primavera
Não ser sempre ternura
Abraço que me convém
Felicidade que a vida permite
Olhar convencido para o ar
José Gomes Ferreira
Na infância dizia ter atravessado um caminho de pedrinhas
Era um troço da estrada que não tinha sido asfaltada
Contava convicto como tudo se passou
Como eu guiado pela mão da minha mãe superei aquele desafio
Até aí conhecia apenas o caminho dos lameiros e dos olivais
Depois disso cresci e cruzei muitas outras rotas
Nem sempre de mão dada, mas com o coração emparelhado
Quando não na companhia do silêncio multiplicador
Com a mesma vontade de lutar e conhecer
Continuo a encontrar muitas dessas pedrinhas
Sento-me por vezes a contemplar o destino e o traçado
Lembro dos antepassados e de todos os entes
Choro para dentro da felicidade da vida vivida
Todos temos momentos que geram maus pensamentos
Tenho prosseguido com o orgulho de quem experimenta ser feliz
São os abraços e apertos de mão que me chegam que me dão forças e liberdade
José Gomes Ferreira
Minha mãe, muitos parabéns pelo seu dia
Receba de mim este retrato falado
Um pequeno presente da minha sensibilidade e memória
Porque as mães são os mais elevados seres próximos da plenitude
Vão para além da distância e das histórias criativas
Superam as narrativas e os papéis identificados
Integram na preponderância a vida dos descendentes
Admiro-a na própria transformação de vivências
E na inspiração que partilha através da perseverança
Sigo os meus dias movido pela sua força e brilho
É no coração que mantenho o sentimento
Apesar da distância vejo-a na genica da linguagem
E na disposição para renovar o seu testemunho
Vejo-a no exacerbo da coragem
Nas travessias que sozinha enfrentou
Na minha imagem desce ainda a rua com dois baldes de lenha
Segue à beira da estrada com o carrinho de mão repleto de comida para os animais
Siga sempre na coragem da necessidade e no espírito das acções
José Gomes Ferreira
Revolta-se a natureza
Mantém-se os homens passivos
Revolta-se a culpa e o castigo
Tudo se junta ao desespero
O que os rios levam não são enchentes
São tragédias anunciadas
É sangue submerso em água
Tanta incúria na exploração
A gula facínora do capital
Toda a política submissa ao dinheiro
Revolta-se a natureza e tem quem ria
Tem quem perca tudo, incluindo a vida
A maior tempestade continua a ser a da indiferença
Tudo parece normal no reino da destruição
São as famílias que se afligem
Gritam com tamanha perda
Os restantes agem como espectadores
Talvez esperem ganhar algum concurso
Ao que chegou esta Civilização
Solta a corda quando deveria abrir os braços
José Gomes Ferreira
Procuro
Procuro a brisa que acaricia o rosto
O beijo que regala a barriga
O sorriso que enche a alma
A esperança que cativa a Humanidade
Procuro a metamorfose e a paixão
O gosto das pequenas coisas
A reinvenção do sonho e do movimento
A reciprocidade por afinidade
Procuro nunca parar, o mundo sempre gira
Procuro criar a melodia das nossas vida
Escutar o progredir da luz e da confiança
Rasgar os céus e a terra com o prazer da liberdade
Chamar o futuro e a memória
Procuro deixar o testemunho
Ser inspiração para os observadores
Erguer em mim as vozes do coração
E deixar o apelo que nos leva à salvação
José Gomes Ferreira
Precisamos amar fora da narrativa e fora da carne
Precisamos amar fora da pressa e do impulso
Com o tempo todo para acontecer
Como oportunidade para chegar perto
Revelar auto-conhecimento e confiança
Precisamos sentir o vento e a paz
As raízes que deixam borboletas na barriga e vontade de construir
Sentir para além dos paradoxos e dos pontos no cartão
Precisamos amar para além do que diz a assembleia e a comunhão
Abrindo o coração e a expectativa
Experimentando a reciprocidade e o bailado das histórias
Amar para além do pronunciamento e da fantasia
Com o desprendimento das virtudes felizes e plenas
Precisamos amar para além das certezas
José Gomes Ferreira
Somam-se os dias sonoros
E a alegria do envolvimento participante
Estou longe das gaivotas
E do azul com aroma a maresia
A serra também me conforta
E transporta para onde quiser sonhar
Não escuto os pássaros na madrugada
Mas o coração bate pelo futuro
E pelas memórias espirituais
O mundo anda em grande corrida
Dificilmente pára acordado
Busco paz e realização
Ainda assim não sou dado ao conformismo
Nem escondo os meus sentimentos
A humanidade descamba sem esconderijo
Tantas vezes apetece gritar
Observo e revolto-me
Uso palavras e manifestações
Trago para a narrativa a beleza descuidada
O quotidiano a que não damos importância
Trago em mim a saudade em várias multiplicações
Não disfarço os pensamentos nos tempos e lugares
É necessário viajar para determinar a felicidade
José Gomes Ferreira
A urna é electrónica
O amor é digital
A devoção é antagônica
O desejo é carnal
O corpo rebola
O destino é fatal
A promessa enrola
A terra é natal
O sucesso é uma conquista
A maturidade uma condição
O pecador é moralista
O beijo é emoção
José Gomes Ferreira
Andamos muito atentos à poeira no ar, sendo que não usamos chapéu ou protector, não usamos qualquer filtro de protecção do que nos é exterior, apenas filtros para relativizar a aparência. A poeira vem em forma de notícias sem interesse, de narrativas que procuram moldar esse interesse, de espectros de luz, da bajulação por conveniência, de amizades para subir degraus. Andamos a levantar bandeiras de esquerda e direita, mas continuamos iguais. Consumistas, focados na competição, malabaristas em exclusão, especialistas em dogmas e vida alheia, obedientes quando se trata de aparecer. Perdemos o ar fraterno e a paixão pela sucessão lenta da vida, mas o pior de tudo é que sonhamos com milagres, que o resultado das lutas são dados a priori. Assim é fácil haver inveja e uma corrida à ilusão, deixámos igualmente de nos definir na diferença. Perdeu-se a busca pela originalidade e paixão pelo exacerbo das matérias de especialização. Andamos no mundo por ver andar o outros, o ditado popular tem razão. A Maria não vai apenas com as outras, as outras são Marias. O pior de tudo é que ao avançar acabamos por nos dar conta do vazio do caminho. A rua está cheia, a estrada está cheia, mas nada e ninguém se cruza connosco. Pode chegar o vazio ou então prevalecer a estratégia que tem sido aplicada: a vaidade segundo a qual nós é que estamos certos e os outros errados. A vaidade e a expressão constante de descontentamento e falta de confiança. Aprendemos a reclamar por tudo e por nada. Temos dificuldade em construir, mas reclamamos. Somos incapazes de separar a poeira que pode chegar no nosso rosto da poeira que contamina as ideias, padrões e trajectória. Facilmente aderimos a falsas causas, geralmente do futebol ou da política, tantas vezes para esconder as nossas falhas e prioridades. Ficamos confusos com as promessas de glória que tanto procuramos. O realismo dos sonhos perde-se facilmente na reclamação e desespero. A ponderação, a empatia e superação precisam ser recuperadas. Não se constrói um país ou a humanidade sem uma reconstrução do sujeito. A ganância e alienação estão instaladas. O amor necessita de prevalecer. O amor, a confiança pela palavra dada, a ambição em conquistar metas sem pisar o risco. Não tem glória nem liberdade se não existir luta, companheirismo e sentido de responsabilidade.
Chegou a madrugada esperada
Chegou a Revolução
Mas o que faz multidão sentada
Quando faz falta na equação
Chegou a liberdade pretendida
E a democracia para o desenvolvimento
Só falta a bandeira erguida
Para garantir ao povo o sustento
Chegou a luz que nos tira da noite
E a beleza que tanto nos educa
Não esqueçamos a violência do açoite
Cuidado igualmente com tanta gente maluca
José Gomes Ferreira
Sou de uma família de guerreiras
Mulheres de cozinha e enxada na mão
Mulheres mães, avós, tias e primas
Que sempre lutaram para cuidarem da família
Em tempos remotos uma parte da família materna terá sido carvoeira
Já parte da família paterna terá produzido tamancos
Várias mulheres foram costureiras
A minha mãe na adolescência chegou a vender pão de porta em porta
Muitas destas mulheres cedo ficaram viúvas
Nada as impediu de criarem filhos e netos
Sou bisneto materno de Maria Saraiva
Era uma força viva da natureza mesmo com mais de nove décadas
Do lado paterno a memória não é tão extensa
Está exposta sobretudo em algumas fotos tiradas juntos
Em geral a aldeia era movida pelas mulheres
Pessoas anónimas que marcavam as vivências e chegaram à toponimia
Não que os homens não fossem importantes
Uns faziam-se luz de terna idade, outros emigraram ou foram para a guerra
Cresci entre universos femininos e a ascendência da natureza
Fui marcado por gente humilde mas de um coração total
Não tenho saudades das dificuldades
Nunca esquecerei quem me deu vida e me ensinou a seguir
José Gomes Ferreira
Que andança é essa que vive da destruição do planeta
Em que a pobreza é escancarada
Pobre acha que atingiu a sua meta
Rico acha que não nos deve nada
Que andança é essa em que precisamos estar juntos
Na luta por mais solidariedade
Porém quem age por igual é defunto
Vivo desconhece a noção de fraternidade
Que andança é essa sem rei nem roque
Em que tudo é baralhado e incerto
Ficamos assustados com o toque
Defendemos que o nosso pensamento é que está certo
José Gomes Ferreira
Não uso lápis de cor
Nem concordo com a censura
Tem quem faça a apologia ao ditador
Só para esconder a sua amargura
Comemoro o 1 de Maio
Com giestas amarelas
Não vá aparecer o papagaio
E se armar em tagarelas
Não esqueço o trabalhador
Seja qual for o partido
Nem todo mundo é jogador
E nem todo o futuro está garantido
O povo marcha na rua
Para afirmar os seus direitos
Pois para que o país se construa
Todos os caminhos são estreitos
José Gomes Ferreira
Mesmo que te amasse loucamente
Não saberia como te agradar
O que sinto seria insuficiente
Não te chegaria a encantar
Mesmo que eu fosse melodia
Aroma a alecrim e a giesta
Dificilmente te convencia
Que o amor é uma palavra modesta
Tem instantes em que me arrependo
E outros não sei o caminho
Não esqueço é o que defendo
E a importância do respeito e do carinho
Deixaste-me com o coração dividido
E os meus sonhos em pedaços
Não me arrependo de ter partido
Ainda que não te tenha nos meus braços
José Gomes Ferreira
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