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Andam a plantar amor fora de tempo
E a deixar crescer lombrigas nos atalhos
Sem sentirem vergonha pelo corpo nu
Nem pelo acto de julgar sem conhecerem o sacrifício
Andam a matar ursos e sonhos
Com o planeta a pedir auxílio
Também chegam a confundir luta com saliência
O movimento para escrever o nome na história a todo custo
Andam a dormir sem ter abrigo
Chegam a elevar-se em desejo
Só que o caminho é longo
E a estrada guarda glória apenas para os sobreviventes
Todos os medos e todas as lágrimas
Não sacodem o pó da noite
Nem das tentativas de abraçar o mundo
José Gomes Ferreira
No ostentar não vem ganho nenhum
Nem sei se a auto-estima melhora
Assim como o carácter e o franzido da negação
Existem certamente diferenças na percepção da felicidade
E na forma de cada um encarar as pressões sociais
Observo as pessoas agirem com base numa suposta reflexividade
Na ideia de contrariarem o mal que os outros pensam
Assim como na tentativa de mostrarem opulência
Os bens materiais são motivo de contentamento para muitos
Questiono-me se preenchem os vazios da existência
Iludidas ou não tem que viva assim a vida toda
Alguns casos públicos mostram que a queda pode ser grande
Da minha parte escolho o caminho do saber e da sensibilidade
É o que mais me aproxima da fruição da terra e do povo
O que eu realmente sei é que não entro em competição para exibir as escolhas
Mesmo que me olhem de cima a baixo para avaliar a condição social
José Gomes Ferreira
Não sei se brilhavas mais
Ou era tudo o que sentia
A última noite não esperei
Não tinha sonhos retardados
E as estrelas estavam ocultas
A noite avançou na formosura
Não te podia dar um beijo
Nem marcar o poema
Estava fora da indústria comunicacional
Cada instante tem uma história
Nem toda a rotina é normal
A última noite foi de demora
Como na vitória de cada passo
E onde está o meu querer
No pensei no teu carinho
Nas ideias do coração
A última noite foi para te esquecer
José Gomes Ferreira
Tento não me iludir com as parragonas
E com o impulso da gestão ideológica
Gosto de observar e descobrir
Como quem já viveu muito e continua a querer surpreender-se
Tento ir além da razão ou do pragmatismo da competição científica
Adorava sentar-me e observar todos os dias a Serra da Estrela
Seria resignação e comodidade
Adorar eu adorava, não sei é entregar-me ao ócio
Nem a vida me permite parar a corrida
Tenho prazer no já vivido, só não rejeito a descoberta
Tem tanta beleza pelo mundo fora
Só precisamos deixar de lado rótulos e classificações
José Gomes Ferreira
História adicional
Na prática iniciei hoje o desdobrar entre duas cidades e 2 estados, vamos ver se aguento tanta viagem e despesa. Não deixo de relatar a surpresa ao chegar. Moro na rua das traseiras da catedral da cidade e ao chegar por volta das 11:30 deparei-me com dezenas de autocarros parados por todo lado. Guardo as bagagens em casa e vou de imediato ao supermercado, que fica ao lado da mesma catedral. Deparo-me com o que seria o fim de uma procissão. Tudo indica que alguns andores seriam de outras igrejas, pois estavam a ser carregados em viaturas. Vi muitas semelhanças com as romarias/procissões em que participei na Beira Alta desde criança. Em muitos casos gente do campo de veio à cidade, muitas famílias juntas. No caso não tem terreiro, só faltou o lanche após as celebrações. A minha fé é a do percurso humano no sentido da harmonia e paz, mas não esqueço as tradições que vivi, nem ignoro as boas energias da catedral, com arquitectura dita colonial, é linda. Pelo que me diz a Internet é no mínimo centenária. Deixo uma das imagens ainda presentes antes de fecharem as portas.
Para algumas pessoas nunca atingimos o suficiente
Se chegamos à Lua dizem logo não ser novidade
Se a nossa abnegação não tem limites isso será sempre pouco
Geralmente faço que não entendo, o desprezo é a melhor cura
Mas esse tipo de comportamento é irritante
É de grande delicadeza por ser frequente em pessoas próximas
O português tem esse vício de desdenhar
Contaminado por ressabiamento faz isso com tudo e todos
Quando são pessoas próximas não é algo para levar de ânimo leve
Tem amizades imperfeitas, faz parte da sua natureza
Não podem é ser caracterizadas por opiniões negativas face à vida
O maior problema não é fragilizarem as relações
É a possibilidade da insegurança desestabilizar os outros
José Gomes Ferreira
Corro entre cidades e labirintos
Busco oportunidades e abraços
Adoro o cruzamento de verdades
As conversas inusitadas no transporte
As ruas cheias de gente de um lado ao outro
O burburinho à moda antiga
O reclame sonoro na primeira pessoa
O movimento sem parar dos transeuntes
Gosto tanto das cidades genuínas
Cheias de passos e rostos sorridentes
Ao mesmo tempo atravesso açudes
Viajo por montes cobertos de verde
Este sertão é cheio de surpresas nas diferenças
Percorro dois estados, vou do litoral para o interior e regresso
Até a língua portuguesa muda nas referências
Este país tem muito a descobrir para além do estereótipo
Gosto quando desconhecidos nos dizem "bom dia"
E quando o pulsar do povo tem semelhanças com o já vivido
José Gomes Ferreira
* O meu corpo ainda lateja das viagens e da decisão. Tecnicamente tenho duas residências. Ainda que voluntário, tenho trabalho académico numa universidade para onde vim em 2016, porém, iniciei actividade a cerca de 250kms. O cansaço e o stress das viagens podem ser desgastantes. O melhor transporte é pelo Blablacar, o que pode ser incerto. Tem também o lado positivo nos interfaces de cada viagem. Por sua vez, a outra cidade preserva o seu comércio tradicional. Nesta realidade é uma cidade grande para o interior, pelo número de habitantes tem mais dinâmica que Lisboa, mas de residentes. Estas cidades mostram outro Brasil, muito longe das novelas, ainda que muitas dessas novelas sejam gravadas na região. Para um portuga a melhor forma de abordar as novas áreas e expressões culturais é deixar-se ir sem pensar que sabe tudo. Tenho tanto que quero um dia narrar desta troca de saberes.
Nasci tímido e perplexo, fiz-me na observação e sistemática
Nunca me escondi ou deixei de lutar
A multidão nunca mereceu a minha glória
Sem desmerecer a obra do conjunto das representações e padrões da comunidade
A lucidez é intensa no lugar do silêncio
Mais de cinco pessoas é um arraial, apontava o povo mais reservado
A mim a vida impôs-me mais reserva
O enfrentar severo da orfandade deixou grandes marcas
Procurei sempre reagir e saber do meu lugar
A família pode não ter as suas redes e competências
Porém, nada me foi imposto na definição do caminho
Apesar das dificuldades ganhei autonomia
Comprei os meus discos e livros, foi-me dado tempo livre após o trabalho
Não larguei a enxada, o machado, o motor de rega e a burra
Ainda assim na minha geração fui um privilegiado no campo
Cheguei a receber mesada, que usava com parcimónia
Vivi um sentido de liberdade responsável
Não deixei de beber e ir a festas
Se era para regressar a casa ao anoitecer era eu que me despedia do Sol à porta de casa
José Gomes Ferreira
A vida é mais do que fios e arames
Processos de desenvolvimento e privação da catequese aos anarquistas
Tem muitas imagens a retratar diferentes realidades
O ontem pode existir ao nosso lado e ser o hoje de muitas comunidades
O lugar de observação molda a leitura
Porém, não altera a realidade
E o que alguns consideram atraso é a manutenção de muitas heranças
Gosto muito desse diferente pulsar do povo
Não busco necessariamente opulência
É uma falsa equivalência de felicidade e qualidade de vida
Apaixono-me pelo genenuíno
Pelas vozes na rua que anunciam que ali trabalha gente
E quando me perguntam o nome para definir o diálogo
Não sei usar estigma quando ali uma família ganha o seu pão
Perco a timidez se preciso aderir a causas
Não é apenas a necessidade que aguça o engenho
É também a solidariedade espontânea
E o sentido de descoberta em cada contexto
A aprendizagem é maior no sentido da descoberta
José Gomes Ferreira
A minha crença principal é baseada na certeza de que da luta se obtêm resultados, ainda que interfiram outras variáveis que por vezes funcionam como grandes ponderadores, esse é primado da objectividade do destino. Gosto muito da narrativa popular segundo a qual "enquanto vou e venho não está o caminho sem ninguém". Ou seja, nem sempre conseguimos alcançar os nossos objectivos, porém, cabe-nos ir em frente e esse ir em frente mostra que resistimos ao comodismo do lugar e circunstância e nesse ocupar de lugar as nossas hipóteses podem vir a melhorar. A minha mãe repete ainda hoje o ditado, mas essencialmente na perspectiva "eu lutei luta também, esse é o teu desígnio". Não é nenhuma crítica que lhe faço, mas sabemos que em particular as comunidades rurais, aplicavam aquele princípio do "faz pela vida". Talvez por isso vejam algumas fases da vida como construção, sobretudo a ideia do serviço militar como oportunidade para "se fazer homem". Quem ler talvez discorde, mas tinha um apagamento do feminino nessa ideia. O "faz pela vida" ou "a tropa faz-te homem" ignoram os papéis no feminino. Voltando ao tema principal, "sem trabalho nada vem", sempre escutei com referências. Poderíamos usar categorias weberianas para observar o peso da intersubjectividade nas definições fora da experiência. Mas também aí tem outros elementos, designadamente o facto da existência ser apenas vista como cultivo da terra e reprodução social, essa última à maneira de Durkheim, ignorando o lazer e a convivialidade na definição. Seja o que for, nem sempre os ditados estão certos, mas fazem uma leitura histórica dos fenómenos.
A razão pode não estar do lado de ninguém
É construída em resultado do diálogo
Só que os tempos são outros
Facilmente desacreditam a nossa opinião
Tem quem se ache legítimo e herdeiro de falas e audições
Como em velhas assembleias patriarcais
Na verdade como a voz de profetas
A diferença é que os novos profetas trazem a banalidade
O corpo cheiroso de aparências
A funcionalidade para ascendência de classe
A afirmação sem argumento legítimo
A tentativa que se apossa da diversidade
José Gomes Ferreira
Estamos a perder objectividade por conta das ideologias à la carte. As próprias ideologias, políticas e doutrina ideológica, estão a esgotar-se perante lideranças prometeicas que acreditam ter receitas simples para a crescente complexidade. Temos visto acusações que ligam democracia e catolicismo a comunismo, como se os lobos não fizessem parte da biodiversidade e os cordeiros fossem os representantes do poder. Entretanto, os tais valores que dizem defender são apenas um projecto de dominação. Os grandes valores, como fraternidade, solidariedade, dignidade, respeito mútuo, esses são deixados de lado. Precisamos refazer a ideia de comunidade e não cuspir pela boca como quem vaporiza para contaminar. O nosso sangue ainda é de humanos, o destino final é igual para todos, a felicidade está na travessia conjunta.
A poesia não se engasga
Muito menos engole em seco
Mas tem o catarro da vida
Tem a voz humecida das manhãs
A elegância de quem usa as palavras
E de quem observa e sente dor
Sem que se dê por vencida
Pode exacerbar a rouquidão
Tal como a diáspora da melancolia
E a dificuldade em voar sem céu
Mas é doce e eterna
É ritmo e melodia
Alma na herança de qualquer juízo
Luz que encaminha
E abraço entre o vivido e a cumprir
A poesia tem catarro e coração
José Gomes Ferreira
Do Antigamente não guardo todas as simpatias
Porém tinha magia no ordenamento das procissões e no acolher do povo
Na ligação vernácula do corpo à terra e ao mar
Na simbiose das tradições com a moda, arquitectura e objectos
No aroma das casas acabadas de encerar
Na produção de resina e madeira que compensava o agricultor
E nas águas efêmeras que corriam nos lameiros encosta abaixo
Sem esquecer o valor dos sentimentos idealizados e cumpridos
A ritualização da família para além do altar
E o instante das narrativas nas noites sem disputa
A velocidade lenta dos dias produzia museus de memória
Os mais velhos juntavam fábulas com vidas reais
Os nossos primeiros heróis eram das próprias histórias
E eram também quem as contava e cantava
José Gomes Ferreira
Gosto dos beijos sumarentos de verdade
Expressos em lábios frontais
E línguas em perfeita harmonia
Sem receio de quem espreita
Sem a pressa dos casais
E sem medo do futuro
Gosto dos beijos a rebate
Que são para os outros melodia
Cúpula de grande ilusão
Intermináveis movimentos de paixão
De olhos nos olhos
Coração a bater em sintonia
Gosto dos beijos em falta
Significam que não terminou a atracção
Não vamos é perder tempo na escolha do calendário
Os beijos não se adiam, dão-se
José Gomes Ferreira
As distâncias encurtam as pressas
Não tem amor no monte
Vive de memórias e cinzas
A velocidade redefine prioridades
Coloca os olhos a correr sobre telas
O que houve no mundo hoje
Haverá alguma promoção no supermercado
Quem estará livre para amar
O amor deixou definitivamente o monte
E também já não vai de cântaro à fonte
José Gomes Ferreira
Não tenho espinho nem mágoas
Nem aviões de papel
Não tenho esconderijo de tábuas
Nem jeito para fazer rapel
Nem todo lugar é lar
E nem toda a paixão é relação
Confunde-se amor com ficar
E sentimento com tentação
O amor também chora
E atira-se por vezes no cadafalso
O coração não aguenta a demora
Inseguro acusa o outro de ser falso
Gosto da sorte de um amor tranquilo
Com aroma a café e flores
Sem questionar isto ou aquilo
Um amor baseado no afecto e em valores
Amores perfeitos são plantas tricolores
São uma dádiva da natureza
Já os relacionamentos às cores
Exigem toda a definição e clareza
José Gomes Ferreira
Não finjo a aparência
Nem os saltos em frente ao vento
Sigo no cuidado
Prossigo na missão
Mesmo que nem sempre tenha forças
E o perfil não se ajuste à corrida
A ansiedade e incerteza desgastam
Atolam-nos mais que o suor da enxada
É certo que os anos não são os mesmos
O corpo zanga-se com a idade
Descai no esforço
Mas os sonhos não mudaram
Vivem paralelos às inquietações
Soltos igualmente pela ambição
No prazer escandaloso de aumentar as honras
Também não mudou a dedicação
Nem a ternura pela escuta
E o gosto em deixar a porta aberta
José Gomes Ferreira
Os grandes heróis partem
Assim como os grandes ideais
Tudo se separa das virtudes
Fica a água pestilenta dos rios
E o azedume do patriotismo
Fica o desgosto sonoro da morte
As sirenas a anunciarem os mísseis
E o choro das mães com o sangue dos filhos nas mãos
Tudo se separa da paz e fraternidade
Fica a catequese para os debutantes
E a espuma a cortar a carne do vício
Até o amor é um ritual de encontros
Destinos cruzados para procriar e declarar impostos
Tudo se separa do encanto do dia e da noite
José Gomes Ferreira
Sou do tempo dos invernos prolongados
E da severidade da comunicação
Sou do tempo da obediência
E do que agora chamam educação
Sou do tempo em que o olhar matava
Causava arrepio até nas ideias
A família vivia a harmonia do chefe
À mesa nesse tempo criança não falava
E se não gostava do comer levava porrada
Sou do tempo dos diálogos entre adultos
Como fantasia da vida no campo
Na escola a professora tinha ordem para bater
Não se criavam jovens para serem cultos
Sem resmungar o seu desígnio era obedecer
José Gomes Ferreira
* A rima ficou bastante aleatória, foi desfeita para traçar um outro retrato que nem sempre coincide com o romantismo da narrativa. Não era perfeito como contam.
Como posso esquecer no que me tornei
Nas saudades daquele tempo
Nas ruas e calçadas percorridas
Na felicidade estampada no rosto
Como posso esquecer chegadas e partidas
Tantas promessas de reencontro
Ilusões de quem se deita sem medo
E acorda depois frente à realidade
Como posso esquecer os meses distantes
Os lugares de vago frio
As temperaturas sobre-aquecidas da noite
E o amor que nos fazia amigos e amantes
Como posso esquecer o caminho percorrido
O gosto pelas flores do campo
O cabelo solto em vez de comprido
O cativar dos olhos no semblante
José Gomes Ferreira
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