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Vizinho do destino

por José, em 21.10.23

Se deixas o corpo em saliência
Esta noite estarei contigo à janela
Escutarei contigo as canções
Acompanho-te no céu estrelado
No imaginário dos transeuntes
E no espectáculo do cosmos sobre a realidade
Sonho com o tempo deixado
Sem o teu carinho transformou-se em superação
Sem o amor cara a cara e os lábios escondidos
Mas se volto a contemplar-te jamais terei perdão
Não é o teu amor que imploro
À minha alma não lhe falta tentação
Não tem qualquer bondade na despedida
A felicidade não vive apenas de recordações
Fragrâncias e promessas falsas
Em consolo para afagar mágoas
O meu coração é vizinho do destino
Não pode entregar-se à corrida das palavras

José Gomes Ferreira

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publicado às 14:29

Primeiras horas

por José, em 21.10.23

São 04:44 e o dia já clareia. Sopra uma brisa leve de sábado, que quebra por vezes o silêncio e o primeiro chilrear dos pássaros. A temperatura aquece o corpo ainda sem transpirar. Tento fechar os olhos uma vez mais. A semana correu de ribanceira. É necessário recuperar a luz e a paz de espírito, assim como o desgaste das articulações e das horas.

É o instante para captar sons e fissuras das palavras, ainda sem passos na rua e sem a pressa de partir. O mundo está um reboliço e não dá mostras de seguir outras escolhas. Falam em Deus e amor, mas essa mensagem não é levada a sério. É proclamada após destruição e morte. Usam-na como argumento para a reconciliação, quando o ressentimento e a sede de vingança fala mais alto. O dia compõe-se com a chegada do Sol. Espreito pela janela, observo com a imaginação o retomar do ciclo diário da natureza.

Aumentam em minutos os sons, sinais de vida em várias posições e de vários seres. A luz intensifica a expectativa da alma. A saudade mantém o pisca-pisca dos lugares e pessoas. Viajo sem me mexer e reposiciono-me. Tudo em segundos, como abraço de laços apertados e abrangentes. Permaneço em transe posicional a absorver o alvorecer. Não necessito de beliscões ou de contar histórias. A ternura da manhã é como um primeiro amor que se renova. Sempre na frescura lúcida dos mistérios a desvendar e com o coração entregue aos sentidos. Falta-lhe ainda o desejo e o olhar. A captura da carne pelos olhos cintilantes, cruzados nos acasos ou nas repetições.

São agora 05:05. O marcar das horas vem cheio de movimento. Tem tanta beleza nestes instantes como no parto materno. Ficará o cordão umbilical ligado à delicadeza das imagens introspectivas. A glória está em não perder a sensibilidade das considerações na percepção do que nos rodeia. O dia segue e espera-me. Vou acompanhá-lo nessa jornada.

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publicado às 09:13

Delírios perpétuos

por José, em 21.10.23

Parece que chega gente
As ramas secas
O enrolar dos ouriços
As toupeiras no quintal
O ninho dos pardais
O passar dos anos
Os cabelos brancos
As palavras luzidias
Os rituais de escolha
O jogo de matraquilhos

Muita pobre alma
De pobre escolha
É tanta a ilusão
Pedem calma
Não digo nada
Se a conversa é guerra
Andam as palavras cheias
E o coração inquieto
À procura de um valor
Num mundo que não muda

Figuras contemplativas
Outras tristes
Vizinhos que não se falam
Nações que se atacam
Bares repletos
Festejam o álcool
E o suicídio do desejo
Na ilusão emocionada
A fingir um ser pensador

José Gomes Ferreira

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publicado às 00:12

Panorama da manhã

por José, em 20.10.23

O bairro respira ainda quase silencioso
O Sol alto das primeiras da manhã não cala os pássaros
Hoje não tem ninguém em diálogo na sombra do prédio
Escutam-se conversas de fundo
Tem gente à espera de ser atendida no posto de saúde
Ainda não se escutou nenhum pregão a anunciar qualquer venda
O bairro perdeu alguns vendedores madrugadores
Latem os cães na passagem da carroça
Todos os dias é um vai e vem com resíduos e outras cargas
Com o ganha pão que os fretes propiciam
Passa um carro ou outro a revolver a gravilha
Também se escutam os vizinhos na preparação do café da manhã
Aparece suave e cheio de brilho o novo dia
Que se encha de encanto o nosso coração pelo que será vivido

José Gomes Ferreira

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publicado às 11:52

Amor celibatário

por José, em 20.10.23

O amor nem sempre tira a insónia às relações
Chego a perguntar-me se o amor é celibatário
Os padres dizem amar Deus e vivem em aparente celibato
O amor como paixão é imaginado, por conseguinte é celibatário
Os solteiros são formalmente celibatários
O sonho de uma vida masculina para agradar ao povo é celibatário

José Gomes Ferreira

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publicado às 01:16

Oscilações

por José, em 19.10.23

Já me mostrei de cara nua com as lágrimas caídas
Vencido pelo destino ou pela perda
A repercutir toda a emoção e a escamar a reacção dos sentidos
A lembrar que tombamos na travessia
E o encanto é para celebrar essa memória
Já me mostrei sem a lactose das miragens
Frágil como quem ama e o coração não sabe o que quer
Feliz pelas mãos apertadas e pelas convicções
À espera que a felicidade seja rumo e comunhão
Já me mostrei fraco e potente
Até um electrocardiograma oscila com a ansiedade
Tal como oscila de ansiedade a alma sem residência fixa
Já me mostrei de lenço branco e sujeito a perdão
Sem o julgamento das categorias dos tribunais populares
Sem a vaidade que as ruas cumprem no sono da complacência

José Gomes Ferreira

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publicado às 22:54

Vida alheia

por José, em 19.10.23

Vejo inocentes livres aos beijos
E moralistas incrédulos em meditação
As pessoas sempre saíram à rua para ver os noivos
Mas de imediato cada uma seguia a sua vida
Subitamente manifestam opiniões condicionais
Querem apenas conhecer e desdenhar
Nao se importam com a vida alheia
Querem saber o sexo dos anjos
Preferem o perfume da expiação ao aroma das rosas
A proclamação da fé dos homens não está nos deuses
Anda a ser levada para fora dos templos
Culpam o capitalismo e o progresso
Quando é a soberba que gera disputas
E o vazio que motiva palavras de ordem

José Gomes Ferreira

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publicado às 01:06

Folhas caídas

por José, em 19.10.23

As flores da liberdade chamam por mim
Fecho os olhos para fotografar o tempo
Quero contemplar os caminhos de Outono
A erva esverdeada a serpentear as ondas secas
As ovelhas a correrem pelo tapete plano
Os bugalhos a abanar como enfeites nos carvalhos
O castanho das folhas caídas empurrado pelo vento
Fecho os olhos para viajar entre essas imagens
E na celebração do charme da natureza
Tem ainda videiras com folhas penduradas
Gosto das manchas amarelas a pintar a paisagem
Se um dia fugir com o meu amor quero que seja uma fuga outonal
E que as videiras nos vistam com luxúria e despedida
Nada existe de mais belo que o amor humilde da contemplação

José Gomes Ferreira

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publicado às 00:12

História entre mulheres

por José, em 18.10.23

Cresci com mulheres que criaram os netos
Também fui neto e ajudei essas avós
Eram mulheres de fibra e presença marcante
Viúvas desde cedo não desistiram de viver e ajudar
Guardavam na perda o seu voto de castidade
E respeito no amor eterno ao defunto
Eram mulheres de lenço e xaile preto
Possuiam um coração capaz de abraçar o mundo
Sempre as conheci como velhas, mas tinham menos idade que a minha hoje
Contava sobretudo a hierarquia hereditária
A liderança na família fazia aumentar o respeito
Viam filhos e filhas partirem, pelo que no cuidado continuavam na definição de família

José Gomes Ferreira

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publicado às 00:43

Sonhos de criança

por José, em 18.10.23

Nunca sonhei ser professor
Essa foi uma concretização que segui já adulto
Na verdade não sonhava frequentar a Universidade
Sonhava voar como as crianças
Esmorrei algumas vezes os joelhos lançado em declive
Imaginava muitas histórias, não necessariamente sobre o meu caminho
Imaginava personagens, geralmente era narrador
Não eram sonhos diretos, eram realidades possíveis
Quase sempre histórias de felicidade e superação
Na época não escrevi nenhuma dessas histórias
Andava com elas vários dias no pensamento
Eram o engodo para escapar à solidão
E esquecer qualquer crise de orfandade
Eram episódios que contava a mim no mesmo meio do milho ou da mata

José Gomes Ferreira

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publicado às 00:05

Conformismo

por José, em 17.10.23

Um pouco dormente o pensamento
A inútil frescura da moral
A política que não vale nada
Andam a jorrar sangue na estrada
Como se fosse alimento para cães
Assim vai a vida humana
Sem valor ou argumento
Um pouco de tudo num mundo de nada
É imbecil a competição e a vitória
Escolhem rosas e cravos
Fingem sedução e liberdade
Mas as mãos continuam atadas
Nas mentes que apenas consomem
E declaram estar na sua razão

José Gomes Ferreira

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publicado às 01:17

O céu e a terra

por José, em 16.10.23

Corro tanto que deixo o corpo a latejar
Como capim fustigado pelo vento
E calcado pelas corridas das raposas
Deixo tudo em transe oblíquo
A lembrar jangadas sem saber que voltam
Em que à espera ficam famílias a aguardar o peixe
Também eu luto pela incerteza do destino
Mesmo que a praia repouse na minha ausência
É do coração que preciso cuidar
Reage melancólico às baladas
Gosta da certeza dos acontecimentos
Andará também cansado dos azedumes e da distância
E dos laços nem sempre fiéis à genealogia
Repouso como água fresca sobre as nascentes
Cada instante é um novo ponto de partida até à foz
Seguirei na transparência e escolha de raízes
Sempre que parto refaço memórias e inspiro ideias
Gostava de ontem ter cuidado do meu quintal
Só não posso abraçar o céu e a terra e a curiosidade

José Gomes Ferreira

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publicado às 23:06

Âmago

por José, em 16.10.23

Não importa onde estamos
É o que ocupa o coração
Que acompanha todos os minutos
E nos interpreta por dentro

E se perguntamos porquê
Na volta que escolhemos
Ficamos sem palavras
A prender o sentimento

Mesmo que seja inutilmente
Tem em toda a viagem
Passos sobre a memória
E hesitações sobre o sonho e o amor

José Gomes Ferreira

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publicado às 11:26

Prisão de mente

por José, em 16.10.23

Andamos formatados
Seguimos palavras de ordem
Ideias banais
Receitas de felicidade e sucesso
Pouco importa a originalidade
E o gozo genuíno das faculdades
A Maria vai com as outras
O Zé não quer ir com os outros
Vivemos como que sonâmbulos
Com prisão de mente
Talvez um vinho faça bem
Quem sabe a verdade das coisas
O suor e as lágrimas dos destinatários
A saudade no sonho que se alcança

José Gomes Ferreira

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publicado às 01:55

Feliz Dia do Professor

por José, em 15.10.23

Ser professor não é apenas ganhar o pão
Nem interpretar a prosa e o verso
É desvendar a rota que traça no chão
Para explicar os planos do universo

Tem muito professor por paixão
E quem procure conhecer a natureza
E quando alguém se arma em sabixão
O professor ensina que o método vem antes da certeza

Ser professor não é só abrir caminho
É ensinar como se escuta
Também não é mostrar o desalinho
Ensinar não se confunde com recruta

A obediência deixa para os pais
O papel do professor é a educação
Perante ele os alunos são todos iguais
O seu dom é prestigiar a formação

José Gomes Ferreira

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publicado às 12:34

Consciência

por José, em 15.10.23

Deixei passar as gaivotas e o anúncio para acostar
Nunca fui de viajar na proa e saltar primeiro
Gosto de ver o rasgar das água no navegar
E determinar dos mapas a posição
Só que também me satisfaço com o encanto da brisa
E com o silêncio oscilante em pensamentos distantes
Prometi respeito às categorias e aos padrões
Mas mesmo aí tenho seguido ao sabor das águas
Não que siga à deriva e sem planos
Vou para onde melhor sinto bater o coração
Penso em ti muitas vezes em consciência
Sobretudo na ausência que te desconheço
A solidão será mais vazio da alma que qualquer anúncio por relações
Gosto da cortesia do vácuo efêmero
E de partilhar a madrugada com os primeiros raios de Sol
Não que não sinta a tua falta e não coteje os altares
Os teus beijos trazem a certeza da devoção firme
E o registo das carícias que a história gosta de simplificar
Ainda assim sinto-me seguro a rasgar a imaginação
A caminhar sobre pedras que conheçam os meus pés

José Gomes Ferreira

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publicado às 01:27

Guerra sem glória

por José, em 14.10.23

Não existe glória na guerra
Os soldados são mortos ou feridos
Choram na rejeição e medo
Os heróis morrem
São lembrados nas cinzas
Na fantasia do regresso salvador
Os inocentes são esquecidos
Chamam-lhe fatalidades
São sempre o alvo perdedor
A guerra também não tem vencedores
Apenas sobreviventes e massacrados
A guerra é apenas destruição e vidas perdidas

José Gomes Ferreira

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publicado às 22:56

Até

por José, em 14.10.23

Até a Lua abraça o Sol
Na ternura que cativa
Até o rio abraça o mar
Na glória de chegar

Até a noite se funde no dia
E o dia se entrega à escuridão
Até a experiência diáloga com o saber
E a magia precisa de espectadores

Até nós cativamos a harmonia
E as preces abraçam as causas
Até a razão se enche de graça
E o sentimento caminha junto

José Gomes Ferreira

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publicado às 18:47

Respeito

por José, em 14.10.23

Com tanto encanto andam
Os gajos a criticar a vida alheia
Debocham e tresandam
Ao atravessarem a aldeia

Cuidem dos filhos
Não esqueçam os pais
Não se metam em sarilhos
Cuidem também dos animais

Tem felicidade em todo lado
O amor próprio deve ser prioridade
Se cada não sabe ficar calado
É melhor não criticar a diversidade

José Gomes Ferreira

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publicado às 17:34

Eclipse

por José, em 14.10.23

Arregaço as mangas como as palavras
Procuro a tua boca nos meus beijos
Sigo a luz que expõe o sentimento
Se a timidez atrapalha peço ao Sol para que se esconda
A esperança é que nesse instante abras o coração
E cruzes o teu destino com a minha imaginação

José Gomes Ferreira

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publicado às 12:00



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