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A lucidez ainda é um atributo da existência
Mas o tempos são de mudança
Existe como que um cadastro para acções livres
Permissões para reflexões, comentários e ideias que ficam na cabeça
E nem sempre se consegue a devida legitimidade
As pessoas andam tensas das circunstâncias
Por vezes extrapolam as nossas referências
Tudo é visto como ameaça e abuso
Parece que preparam os pulsos para nos desafiar
Precisamos de voltar ao diálogo e de deixar o quarto escuro
O isolamento deixa-nos desconfiados e reactivos sem proporção
As pessoas querem mostrar que têm sangue na guelra quando nem peixes são
José Gomes Ferreira
Tem quem me ache louco
Por ser em todo lado estrangeiro
Por viver com muito pouco
E por permanecer solteiro
Não vivo de aparências
A minha paixão é o conhecimento
É aprender um pouco de ciências
Sem esquecer o sentimento
Mantenho o encanto pela Lua
E uma grande paixão pela vida
A expectativa é que assim evolua
E atraía uma mente atrevida
José Gomes Ferreira
Já fizemos planos, trocando beijos
E escolhendo os nossos caminhos
Já sentimos falta um do outro
Na saudade que as ideias nos deixam
Fomos até ver o mar
Como quem navega ao Sol
E pede para tudo ser felicidade
Fomos até na fé da multidão
Contribuir para a romaria
Já fizemos votos, trocando promessas
Era tanto o querer, que chegava nas palavras
Tudo parece tão natural e certo
Quando o coração esquece o mundo
Um dia a brisa parou
O desejo passou a ser por marcação
Faltaram as carícias mais simples
Um dia atrasou-se o encontro
No outro dia cada um tinha a sua justificação
Depois pouco havia a fazer
E o amor nunca mais voltou
José Gomes Ferreira
Hoje deixo-me estar a observar e a escolher
Como quem caminha sobre chuva trepidante
E sai feliz nos passos sobre a terra quente
Já fiz dos ramos de oliveira baloiço
E deslizei sobre um morro de granito liso
Já me pendurei na tranca de um portão
E subi às cerejeiras para escolher o sabor
Apanhei baldes de figos como quem alimenta o universo
Hoje deixo-me com o sorriso dos tempos
Não desisti do bom que é a liberdade
E do encanto e dádivas da natureza
Lembro-me como era o mistério e a aventura
Hoje projecto a narrativa, o sentimento e a força
Não perco a subtileza e a vontade de sempre mudar
José Gomes Ferreira
É preciso estar sempre alerta
Não vá o Sol se tapar
Não tem apenas uma visão certa
Nestas coisas é preciso escutar
Anda a ciência em sacrifício
E a militância em acção
Só que é difícil deixar o vício
E acabar com os motores a combustão
É urgente alterar o rumo
E envolver todo mundo
O problema é que se vê muito fumo
E não se muda a fundo
O risco não é democrático
O pobre parte sempre em desvantagem
O governo precisa ser mais pragmático
E lutar contra qualquer chantagem
José Gomes Ferreira
* a poesia precisa vir "prosa" na acção para a transição climática
Talvez tenha a ver com o início dos acontecimentos
E o padrão que perscruta a nossa acção
Não me refiro a qualquer ideia de Criação
Nem ao choque entre os crentes e o Criador
Apenas ao ponto de partida para a cidadania
E ao sopro do vento que nos coloca nos trilhos da normalidade
As afirmações que nos servem de consolo
O ciclo da vida não é apenas um impulso
Anda focado na frugalidade após a romaria de suor
O problema nunca foi da adesão pela fé ou pela marginalidade anónima
Andam mirones à janela a espreitar os nossos desvios
Vozes que esgostam as possibilidades do nosso futuro
Na celebração seguem o juízo dos transeuntes
É necessário cautela na escuta
O moralismo pinta as paredes com rostos de sucesso
E deixa a calçada crua para a suposição dos tempos
Fica quem se limita a circular e acende uma fogueira
Não é preciso escolher o charme para desfazer barreiras
O amor também se omite na sobriedade de classe
José Gomes Ferreira
Precisamos dialogar sobre felicidade e empatia
Felicidade não são apenas as conquistas individuais
Os sonhos e o sucesso tornado realidade
E que tantas vezes gera cobiça ou desconfiança
Essa é a felicidade de circunstância e pode gerar adversidade
A verdadeira felicidade é gerada por empatia
Resulta da convergência de energias e princípios
É um projecto colectivo e não um sonho de riqueza
A felicidade é um bem comum
Não é apenas o bronzeado na pele numa tarde de Abril
José Gomes Ferreira
Teria repetido o engano
E acreditado nas promessas
Como coração que não vacila
E segue na crença do encontro
Teria feito tudo sem hesitar
E sem questionar o sentimento
Mesmo que do rosto transborde suor
E tenha passado a tempestade que nos uniu
Teria igualmente sorrido errante
Como quem ama no gosto recíproco
E se disponha ir até ao fim do mundo
Para que dos gestos se faça construção
Teria feito tudo com a mesma vontade
Mesmo que o mundo tenha mudado
E os movimentos de aproximação
Tenham sido testes à força da união
José Gomes Ferreira
Os meus olhos brilham e a minha alma resplandece
Recordo o passado com a memória das pessoas
E com os bons momentos de superação
Jamais o idolatro para que se repita
Não poderei dar vida aos meus antepassados
Qualquer repetição seria atrasar a existência
Com as lentes da distância é fácil cair na esparrela da demagogia
Os corvos festejam os muitos insucessos da democracia
Babam-se com o deleite do protesto
A viagem no tempo que propõe é um embuste
Quem atravessou os tempos e as privações conhece o valor da liberdade
Quem busca poder a qualquer preço não defende o povo
José Gomes Ferreira
Tu que hoje levas o cravo na lapela
E pareces todo inchado
Não vás a seguir mudar de farpela
E achar que está tudo acabado
A democracia é para os românticos
E para os bons deste país
É para quem gosta de vinho e de cânticos
E não gosta de fascistas de raiz
49 anos são muitos projectos adiados
Precisamos fazer mais e melhor
Precisamos estar unidos e preparados
E deixar de prestar mordomias ao senhor
José Gomes Ferreira
Deixava-me debaixo de uma videira
A dormir numa gamela
Ao mesmo tempo subia a uma figueira
E a cada instante dava uma espreitadela
Depois foi chamada a emigrar
Deixando a família na saudade
Da viuvez acabou por se conformar
No regresso encontrou paz e felicidade
Foram anos de muita luta
No amanho do campo e dos animais
Sempre com a certeza absoluta
De que desistir jamais
Hoje é de novo criança
Vive os dias na Associação
Tem presente muita lembrança
E o que faz bem ao coração
Tenho sido um filho distante
Longe da permanência quotidiana
Tudo importa mas não obstante
O que é significativo é quanto se ama
José Gomes Ferreira
Não é apenas o capitalismo
É a pressa e a desumanidade
Quando só tiver o ferro quente para passar na terra lisa vão perceber o objecto da minha poesia
Paredes abandonadas não são castelos
Terra abandonada não é biodiversidade
Seres humanos à deriva no Mediterrâneo não é progresso
José Gomes Ferreira
Cada vez que parte um ancestral
A aldeia esvazia-se de significado
E da amplitude de histórias e relações
O livro da vida colectiva encurta-se
Bate de frente com os beirais das andorinhas
E com a lembrança das carroças sobre a calçada desgastada
Agora concorrida entre carros e tractores
Perdem-se não apenas pessoas, mas gerações e dedicação
Haverá muita forma de despedida e de reconhecimento dos lugares
Porém não teremos como expressar todos os sentimentos e vivências
Não existe o largo do Manuel Dias sem os atributos e sem as memórias
Sem as funções de fruição e encontro da população
Também não existem mais confluências
Nem representações sobre as mulheres no alvorecer
Nem sobre os homens no prolongar da noite
O progresso transforma em pó e solidão o que já foi centralidade
A força simbólica passou da pressa para a despedida
José Gomes Ferreira
O mundo mudou e fico pálido
Não deixo nunca de resistir
E de expressar a minha posição
Só não me deixo iludir por posições
Não corro atrás de devaneios
Nem sigo na romaria da multidão
Procuro não deixar de me escutar
E dar ouvidos a quem me viu crescer
Só não ligo a apontadores
Nem a vigilantes inexperientes
Sem largar metas e caminhos
A felicidade está no que alcanço
Não está em qualquer feição predestinada
Nem no olhar taciturno da conversão
Sou eu que faço a minha história
Não é feita de narrativas de imitação
José Gomes Ferreira
Não vale a pena sonhar alto se o sonho não é fruto da reciprocidade
Detesto quando, contra a minha vontade, as pessoas se querem passar por quem não são, deixando imagens do que nunca serão
A amizade não dá permissões especiais a ninguém, a imaginação menos ainda
As pessoas não se aproximam quando usam a porta de serviço
A nossa vida tem áreas reservadas, por vezes até dos mais próximos
Simular alternativas para o que não existe dá razão a esse carácter etéreo
Gera ligações indesejáveis e histórias sem sentido
José Gomes Ferreira
Uma vez que partilhei recentemente as capas dos livros publicados não vou hoje, Dia Mundial do Livro, repetir essa façanha. Não li os meus livros todos, li centenas de outros livros. As Bibliotecas sempre foram o meu local de encanto. As Bibliotecas e os espaços naturais. Permitem diferentes viagens, são lugares de contemplação e aprendizagem. Não apresentei o meu último livro de poesia, esteve quase para acontecer lá na terra. Foram meses de muito frio, muita emoção e dedicação à escrita (e à enxada). Como sabem, a minha vida profissional passa por um momento de impasse, não é por isso que tenho parado. Poesia escrevo como quem toma café, mas não estou a prever publicar qualquer livro nos próximos anos. Finjo apenas uma escrita de rotina para não matar a consciência. Qualquer outro projecto individual virá por impulso e terá de ser capaz de fazer a transição. Tenho-me focado em artigos científicos, alguns novos, outros de trabalho que levou anos a produzir. Tenho igualmente alguns capítulos a aguardar publicação. Gostaria de me sentar durante alguns meses para me focar num livro abrangente sobre a investigação dos últimos anos. Talvez precise de voltar ao campo para reaprender alguns viveres e registar algumas falas. Neste momento está tudo em aberto, até porque a prioridade e a quantidade dos artigos é grande. Apesar da ciência se reduzir à quantidade de artigos publicados, em revistas com grande factor de impacto, em língua inglesa e por aí adiante, gosto do prazer de ler e escrever livros. Para mim são parte da minha construção como pessoa e a minha herança. Com a vida de casa às costas o meu coração parou quando vi os meus livros ensacados como batatas. Foi como o esforço que tive para os adquirir fosse apanhado pelas borboletas que atacam o tubérculo. Não sou muito ambicioso materialmente, quero apenas ser feliz, ter trabalho e saúde, fortalecer as amizades e deixar nas palavras a força e o entendimento que tenho da vida.
O vento deixou de polir as caras carrancudas
Não anda ninguém no olival
E as encostas têm as quelhas abandonadas
Erguem-se apenas pedras na sombra da floresta
Não sopra brisa e os pinheiros não abanam
A temperatura também escalda a memória
Não se escuta o rio nem os rebanhos de ovelhas
Uma enxada teima em procurar a seiva da terra
Move-se com o cuidado de quem ainda acredita
Os braços elevam-se no sentido da serra
Ali também os montes estão polidos da falta de vegetação
Tem quem queira adivinhar a nossa história
As nuvens são como finos bordados no céu
Não tapam a perturbação das narrativas
Nem as pedras de palheiras abandonadas
Restam largatixas e moscas de intempérie
Escutam-se também os corvos a arfar
Sobram políticos e desencaminhados nos atalhos
Alguns aviões cruzam a paisagem, mas não trazem soluções
Não se faz espuma sem o esforço das mulheres no tanque
E sem o prolongar das almas a marcarem o lugar
Sobram javalis a desmontar o fascínio da natureza
José Gomes Ferreira
Preparei bem a terra nua
Para semear o nosso feijão
Se não produziu a culpa não é tua
É do calor que antecipou o Verão
O clima está muito mudado
Sem chuva para cuidar da plantação
O vento sopra de todo lado
Só o futuro não está de feição
O planeta pede socorro
O clima pede atenção
Não abandone o seu cachorro
Veja se aprende a lição
José Gomes Ferreira
A Terra não é um planeta pintado
Nem mero cálculo sobre o futuro
É uma visão do cuidado
Sem o Homem a saltar o muro
Não tem planeta B
E os nossos vizinhos são únicos
A Terra é mais do que aquilo que se vê
É a surpresa dos entes anónimos
Qualidade de vida não é destruição
Bem estar não é luxo
Tem quem seja feliz a produzir pão
E quem se limite a seguir o fluxo
A Terra é de todos nós
E do conjunto da biodiversidade
Assim a herdamos dos nossos avós
E a devemos deixar para a posteridade
José Gomes Ferreira
O amor é mais do que um laço
É mais do que uma convicção
Sendo que por onde passo
Anda sempre o meu coração
O amor é também embaraço
Não é apenas emoção
Pergunta sempre o que faço
Eu limito-me a estender a mão
O amor é também um cabaço
E negar o medo da escuridão
Está escrito num grande abraço
Depende da capacidade de interacção
José Gomes Ferreira
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