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Questiono-me sobre a paz da aldeia
O comodismo das estações
E o desafio do desconcerto da procura
Também eu gostaria de me acomodar
Abraçar a paz das andorinhas
Sentir o olhar recluso de quem desconfia
E o aroma colorido das flores em crescimento
Questiono-me sobre a corrida
E o atrevimento de criar mais que uma memória
Sigo sem fingir a loucura do mistério
E sem esquecer o risco das oportunidades
Posso nem sempre conseguir dormir nas noites longas
Só não quero chegar ao fim da viagem e sentir que não serviu para nada
Não sei percorrer os caminhos sem um motivo
E amar no apressar do silêncio das escolhas
José Gomes Ferreira
Pai, tão cedo te vi partir
Para seres acolhido na paz do céu infinito
Estás sempre presente nos meus dias
E na força que me dá a tua protecção
Se te choro é pela saudade
Se te canto é pela alegria
Se te escuto é porque te mantenho junto a mim
Partiste cedo da matéria e do abraço
Estás sempre comigo nos afectos e laços
Sei que não foi escolha tua
Quero que saibas que sempre foste o meu farol
O motivo para ser feliz na minha caminhada
O brilho da ausência é sempre mais forte
Assim como a falta que sempre fizeste
Estou certo que estás orgulhoso de mim
Como sempre eu me mantive orgulhoso na tua referência
José Gomes Ferreira
São José lá do sertão
Tu és o maior articulador
Vindo chuva haverá pão
Havendo pão não faltará amor
São José da esperança
E mestre das estações
Reforça no povo a sua crença
Não o deixes só com orações
São José pai do Criador
Senhor de todo Nordeste
Não sejas apenas fiador
Afasta das famílias a fome e a peste
José Gomes Ferreira
*das minhas vivências em outras geografias
Olho para o remexer na terra crua
Soltaram os javalis e as perdizes
Deram tempero às estações
Remexeram nas águas e na folhagem
Chamaram os dias longos
Trouxeram a brisa em salpicos
E as flores que chamam o amor
É tempo de renovar a solidão
A névoa dissipa-se sem espasmos
O céu manifesta-se em azul ofegante
O coração repete o pestanejar dos dias
A minha preocupação é com o metabolismo das ausências
Por isso me desloco aos patamares
Visito os lugares de admiração e luz
Leio ainda o que guardo na visão
E o movimento perpétuo dos afectos
Recupero-me como transeunte
Como passageiro sem definir oportunidades
Por isso deixo o corpo repousar
Escolho as palavras que identificam os envelopes
Recolho-me perante o descontrolo nas ruas
Respiro fundo nessa hora de luta
Não tem soberba quando queremos sorrir nas etapas
José Gomes Ferreira
Os humildes não conhecem a linguagem dos helicópteros
Nem o silêncio obstinado da inacção
Choram perante as chamas da destruição
E das dificuldades agravadas do seu ganha pão
Os humildes respondem a quem os protege
Mesmo que vendam a alma para ter pão
E escolham a protecção das preces
E na incapacidade entreguem tudo à vontade de Deus
Os humildes requerem trato e atenção
Necessitam de reconhecimento e amparo
Não a vã virtude de promessas e desencantos
José Gomes Ferreira
As casas têm odor a silêncio
E a ocupação retirada do rendimento
As ruas estão desertas
O medo é a arma das facções
Não existe Estado quando se vê obrigado a obedecer
E não consegue proteger os cidadãos
Uns partem por necessidade de cuidar dos seus
Outros simplesmente seguem o bater do coração
Tem quem parta para usufruir das posses em segurança
Sobram os pobres e os desalinhados
A cidade esvazia-se de consciência
Invadem-na jornalistas
Soldados a soldo atentos à aflição
As ruas estão desertas
Aumentam as preces nas catedrais
A resignação confunde-se com a palavra de Deus
José Gomes Ferreira
A chuva é como uma seta
Intensa e repicada
Sem dar descanso
Finge purificar o corpo
Retira-lhe o frio da geografia
Deixa a paz na verdura
E esperança aos crentes
Contagia com a possibilidade de alastrar onde falta
Amolece o corpo dorido da saudade
É como recordação espalhada nos interstícios
É vida para além da persistência das preocupações
José Gomes Ferreira
Uns gostam de propaganda
Outros prometem acção
No lugar de mestres da banda
O poder leva-os a esquemas de corrupção
São determinados pela incerteza
E pela urgência das decisões
Confundem ego com beleza
Não gostam de escutar outras opiniões
Prometem defender os seus ideais
E lutar pelos interesses do povo
O facto de não serem leais
Não representa nada de novo
O cidadão alimenta expectativas
E deposita o seu voto de confiança
Mas sem avanço nas tratativas
Rapidamente perde a esperança
José Gomes Ferreira
O que fazer amor quando passar o suor
E o corpo se espremer sem desejo
Quando a paixão diminuir
E as noites forem para seduzir as paredes
Baixando a cabeça, desviando o olhar
Quando acabar a chama e o querer
E o mistério não tiver nada para revelar
O que fazer amor se a rotina for coincidência
E as palavras trocadas ficarem ausentes
Quando até o silêncio escolher moribundo os gracejos
E a Lua deixar de encantar as soluções e instantes
O que fazer amor se a noite é dia
Mas não contamos mais com o reencontro
E os beijos deixam de ser feitiço e alimento
José Gomes Ferreira
Fui bater na milharada
E no rugido dos animais
O meu amor não disse mais nada
Fui afastar o silêncio dos pardais
Tive medo de me perder
E de fechar as mãos no rosto
O meu amor pediu para me esconder
Deixei o coração a seu gosto
Fui ver a água corrente
E sentir os ares da Serra
O meu amor foi à frente
Não foi bailar, foi para a guerra
Tive pressa em chegar
E de encontrar tudo em paz
O meu amor mais devagar
Quis provar que ainda era capaz
José Gomes Ferreira
Para partir é grande a pressa
Para mudar não queremos correr
Na incerteza é pouca a vontade
Mas precisamos nunca desistir
Para escolher mantemos a crença
Para vencer vestimos de gala
Estabelecemos alianças e redes
Andamos com a alma às costas
Para amar seguimos viagem
Mesmo que não se definam as paixões
O que nos move é a descoberta
E a esperança no reconhecer da luta
José Gomes Ferreira
Sopram-me sonhos nas conversas
Como quem deixa recados ao coração
Só não sabem que escuto às avessas
E que a luta não se faz sem trabalho e solidão
Sopram-me a minha própria vida
Como caminhos a ganhar ou perder
Especulações sobre a virgindade perdida
Choros e gritos de lembranças da mata a arder
Sopram-me brilho para os olhos
E coragem para vencer cada etapa
Recordam-me o erro de Girabolhos
E que o destino tem vários pontos no mapa
José Gomes Ferreira
De nada vale bater no peito
E soltar lágrimas na falha do universo
Arrependimento não é sinónimo de perdão
E não se expurga com sacrifícios corporais
De nada importa criticar a Igreja
A crítica faz sentido para quem está consciente
E não para quem fala e depois não faz a mudança
A reza é a penitência dos conformados
De nada serve prometer não beber
Ou não voltar a ser infiel
Quem se tenta pela boca tem dificuldade em mudar
O desejo é a maior ameaça à lealdade
José Gomes Ferreira
Na juventude andei à boleia
Conheci o que havia para conhecer nas redondezas
Suspirei para conhecer a paixão
E o mergulho da alma genuína
Perdi a vergonha da condição
Cavei terra ao lado de mulheres corajosas
Sacudi a vulnerabilidade de cara cheia
Li e reli os livros que teimava juntar
Adormeci com as panelas a ferver à lareira
Fechei os olhos ao mergulhar no som do vinil
Imaginei diálogos, fui ver as borboletas
Deixei o tempo ser marcado pelo Sol
E pelo bater das horas no relógio da Igreja
Capturei o universo fora do olival
A rádio era a porta aberta para o mundo
Permitia ajustar o gosto à fragrância
Na juventude alimentei a esperança
Criei uma necessidade crescente de conhecer mais
E um gosto frenético pela felicidade retirada das pequenas coisas
José Gomes Ferreira
Não apanho as flores
Mas recupero a memória
E alerto a observação
O tempo não volta para trás
Não devolve as formas presentes
Apenas os espíritos que iluminam a alma
E a felicidade dos anos e momentos partilhados
O grande confronto está em nós
Depende da leveza do amor gerado
E do gosto motivado no agregar
José Gomes Ferreira
Enchem de louvor as casas
E o coração de um doce palpitar
Acompanham os filhos nas madrugadas
Conhecem bem o verbo amar
São rainhas e princesas
Guerreiras e lideranças
Não se acomodam a certezas
Manifestam-se nas contradanças
Gostam de cuidar do cabelo e sobrancelhas
Cuidam das fragrâncias e tempestades
Possuem o mesmo mel das abelhas
E o apego que reforça as saudades
Juntam coragem a encanto
Formosura a responsabilidade
Falta-lhe a bênção do Espírito Santo
E luz para além da definição de visibilidade
José Gomes Ferreira
Rejeito o ódio que sai das gavetas
Como sexualidade escondida da laringe
Tal como rejeito a propaganda da minúcia
E o jeito truculento de inquietar a vida alheia
Ainda me questiono sobre sorrir e ser feliz
E sobre a aceitação do ser humano integral
Seja branco, preto, católico, agnóstico, obediente ou selvagem
Não que tenha dúvida da trajectória
Cada um terá as suas aspirações e vivências
Questiono-me pela materialidade e repetição
Pela forma como tudo se reduz a velocidade e imitação
E à padronização de narrativas de exclusão
Certamente não faço parte desse exército
Prefiro ser suave e ligeiro a seguir na romaria
Prefiro ser socialmente consciente a debitar impulsos
A maioria é intolerante à reflexão e aceitação
Gesticula e bebe como quem aponta caminhos
Espuma e estrebucha como quem teima ter razão
Rejeito veementemente que apontem o dedo à minha formação
A Sociologia não nasceu em mim para polir as palavras
Já passava dificuldades quando quis interpretar a minha condição
José Gomes Ferreira
Entre as linhas e as palavras
No aperto do que não chega
E na gratidão das famílias
O tempo passa sem crença
O frio faz-se também de incertezas
E do que vai e não volta
Como os anos perdidos nos limites
A navegar sem saber ainda o destino
O povo descobre o desassossego
E a vontade do estado em escolher a alma
Tem quem se atrase e quem se manifeste
Das noites sobra pouca liberdade
É o medo das máquinas e dos bancos
Entre os erros e as injustiças
A desproporção nega o sucesso
O mundo não é só do capital
É também do conformismo
Do discurso e das regras do vício
E da entrega das galinhas à raposa
A saliva por breves conquistas
No que é permitido para amaciar a decisão
José Gomes Ferreira
O cumprimento não chega
Nem a circunstância dos laços e necessidades
É preciso eliminar o sarcasmo dos marchantes
E a opacidade das aspirações
É preciso escolher o caminho do diálogo
E do gosto pela interacção
Um país não se faz apenas com o silêncio dos penitentes
Um amor não acontece por auto-declaração
Um filho não se educa por participação na gestação
Um rio não corre sem a manifestação das árvores
Nada acontece em acto isolado e unívoco
E na superior monogamia do orgulho
José Gomes Ferreira
Descobre-se o tempo nos diálogos da vida
Expondo as transformações através da memória
E no elucidar da felicidade dos eventos
O riso das recordações é metamorfose da alma
Energia que reforça laços e vivências
Bombear de calor que motiva e expande a vontade
É nas palavras partilhadas que o rosto brilha
E o coração revive a intransigência do costume
José Gomes Ferreira
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