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Respiro a água da fonte
Remexo as plantas do quintal
Venero a linha do horizonte
Imagino-me sobrenatural
Deixo na terra o coração
Um ritmo que alucina
Muitas lembranças de Verão
Muito Sol com vitamina
Degusto o vinho do cálice
Bebo o café acabado de tirar
Faço muita coisa por carolice
Outras deixo as pessoas a pensar
Sigo em ritmo passageiro
Sem a repetição das circunstâncias
Certo que um abraço mesmo que ligeiro
É a mais feliz de todas as evidências
José Gomes Ferreira
Não são apenas os pirilampos que brilham no escuro, são também os corações alados e os fragmentos de saudade.
José Gomes Ferreira
A solidão é viciante
O amor é encantador
O ideal é atar tudo com um barbante
E colocar felicidade onde se esconde dor
O amor é o território dos sonhadores
Com a paixão sempre atrelada
Mas como em tudo tem abusadores
Tem quem pense que a felicidade é dada
Confunde-se amor com relação
E o idealizado com o vivido
A felicidade está em seguir com atenção
Pois nem tudo está perdido
José Gomes Ferreira
Não entendo tanta zoeira
Com o mundo em depressão
Ser feliz não tem prémio de carreira
Já ser pobre é agressão
Corremos para chegar primeiro
Protegemos os filhos da manada
Não interessa quem é solteiro
A transparência não vale nada
Aceitamos o sorriso escarlate
E a fé de quem dúvida
Elogiamos tanto disparate
Criticamos a mulher só que engravida
Chega a ser falsa a consciência
E os padrões para bem viver
Ofende-se com facilidade a ciência
Tudo vale na luta para sobreviver
José Gomes Ferreira
Não isolo totalmente o pensamento
Também ouço de surdina o azul
Sem comentários e encavalitado na crença pueril
Simplesmente a olhar a felicidade que transparece
A seguir o vento entre a alma e os espelhos
Atento aos mirones e aos juízos
Talvez não enxergue a realidade com precisão
Perco-me no embalo dos sonhos em falta
Solto intenções até chegar ao carvão
Tantas vezes disserto sobre o amor
E sobre o dogma da memória em todas as partes
Não abdico da diferença e do estandarte das melodias
Carrego comigo a vontade pela luta e obstinação
A riqueza que procuro é a da paz e gentileza dos dias
O traço latejante sobre o reflexo anónimo
Quem sabe serei descoberto na parcimônia dos séculos
José Gomes Ferreira
Sou muito mais que o cabo de enxada que amaciei
E que a coruta de milho que derrubei
Sou muito mais que os livros que escrevi
E os amores que me convenci ter
Sou muito mais que as viagens que já fiz
E as muitas publicações que li
Sou muito mais que a história que conhecem
Ou o repertório que encostam aos dedos
Sou mais que a taxonomia do verbo
Sou o encanto desprezado na pressa dos dias
O vinho que derramam a contar com o excesso
A espera pelo repetir dos reencontros
Sou muito mais que tudo isso
Também sou sonho e esperança
Também sou sangue e ternura
Sou saudade e rigor na imensidão
Corpo e matéria para dar alicerce às ruas
Desejo e vontade de escutar a compaixão
José Gomes Ferreira
Acolho o carinho no rosto
Estendo a palma da minha mão
Tenho nos lábios o sabor do teu gosto
E nas palavras o bater do coração
És características dos trópicos
E manifesto de qualquer Verão
Chegas a lançar alguns estereótipos
Tens mais do que figura de mulherão
Ando sempre à tua procura
Fico vários meses à tua espera
Quando chegas é a loucura
Só a urticária tanto me desespera
José Gomes Ferreira
Não deu o salto, mas fez-se emigrante
Maria era contrabandista nas ideias
De madrugada era operária
À noite era mulher e mãe
Maria era saudade e ternura
Sangue nas veias e coragem
Maria era viúva e distante
Lágrimas de terra e crença
Peça de fábrica e roupa para dobrar
Maria era suor e persistência
Carro de mão e dias sem parar
Assim se fez o seu génio
Agora quer apenas ser feliz
Maria envelheceu para viver de novo
Soltou o ventre das inquietações
Maria quer apenas que lhe falem das amigas
E como correm os dias no parapeito da aldeia
José Gomes Ferreira
* a minha mãe
Censura não é apenas o que se risca
O que se esconde nas gavetas da história
Nem apenas o que nos repelem a evitar
O olhar sisudo sobre os nossos pensamentos
Censura é também o privilégio dos mais próximos
O benefício por simpatia e aguardente
Censura é também o que nos proibem de alcançar para que outros possam voar
Censura é também não facilitarem os nossos passos
José Gomes Ferreira
Amanhã o amor não tem cura
E foi longa a demora
A espera por se fazer um só sorriso
O puxar da cortina para se ver o mar
Sem a inquietação de cada onda
O medo que um de nós não queira regressar
Amanhã o amor será tarde de mais
Não adianta abrir o coração
Cada um seguiu o seu caminho
E pouco mais tem para acontecer
Pois o amor também parte sem chegar
Escolhe a devida circunstância para se fazer
Não se marca primeiro ao domingo na praça
E não é real sem o amanhecer
José Gomes Ferreira
É na noite esquecida
Que a voz mais dói
É no sobressalto da partida
Que o fingimento se destrói
Tem beijos com choro
Expressões de arrependimento
Tem tudo para ajeitar o decoro
E mascarar o sofrimento
Se as promessas contassem
E os laços fossem de confiança
Não haveria sonhos que faltassem
Nem uso forçado de aliança
Mas o amor é uma conveniência
Disputado para agradar o desejo
Que depois de um período de carência
Esconde-se como água do sertanejo
José Gomes Ferreira
Na minha rua havia uma ladeira
Uma laje perpendicular à porta dos vizinhos
Granito crónico que fazia deslizar as carroças
Uma saliência antes do escoar da urina das currais
Do lado oposto tínhamos um porco de criação
Havia outros animais também dos vizinhos
A fossa era uma pequena abertura na pedra
Rapidamente transbordava da lisura de quem circulava
A rua principal era de terra batida a engolir a vala
Por ela transitavam carroças, carros de bois e pessoas
O número de carros da aldeia contava-se pelos dedos de uma mão
Os tractores eram as grandes máquinas transformadoras
A malhadeira de centeio e cevada era o gigante das eiras
Mais tarde veio a malhadeira de milho
Vieram também as máquinas definir a calçada
O sistema de esgoto obrigou a transpor a laje de granito
Hoje o que é crónico é o tempo do esquecimento
Éramos felizes na miséria
Talvez pela ingenuidade dos desafios a enfrentar
José Gomes Ferreira
A poesia faz-se de nata e tutano
Não é uma salve-rainha sobre os pecados
Não é poesia quando fugimos do carneiro que segue as ovelhas
Nem quando da tempestade só sabemos traduzir o significado do trovão
É poesia quando o dia acontece
E o ar que respiramos é ainda livre
Quando perante o caminho aberto ou fechado não perdemos as forças
E ainda ousamos provocar o conformismo
José Gomes Ferreira
Caminhei descalço na água corrente
Com as folhas do milho a verdejar o corpo
E os pequenos godos a separarem os pés da terra molhada
Corria feliz a repor os regos e os trechos
Torneado pela luz que dissipava o orvalho
Tinha os ouvidos fixos no motor e na voz
Escutava a transição entre o cheio e o vazio
Entre a necessidade de mudar de poço e desviar a água
Observava os ninhos de pássaros entre as oliveiras e videiras
Não tinha nada que me escapava no silêncio da juventude
Incluindo a saudade dos parentes distantes
E o apito do comboio no aproximar do meio dia
Riam-se da minha pertinência para colaborar
Como se o trabalho fosse desonra e ingratidão
Respondia com o sorriso das montanhas e o espelho do horizonte
Sempre deixei em mim um lugar para o coração não se esquecer
E o gosto pela compreensão de cada contributo
José Gomes Ferreira
Ultimamente parece que o tapete foge
E o coração não encontra nem dores
Preciso de terra firme para soltar a imaginação
E levar na crença o esforço de criação de uma vida
Preciso de âncoras e parapeitos
Dos braços estendidos de quem gosto
E de paz social sobre o transpirar das madrugadas
Mas o mundo segue tresmalhado de virtudes
E mesmo alguns laços parecem ajeitados para o favor
Não gosto de me desiludir com a vida ou as pessoas
Para anomia basta a que impede os pobres de voar
José Gomes Ferreira
Tem pão que humilha
E pressa que controla
Tem amor por rosquinha
E bandido que rebola
Anda o mundo esgazeado
E cheio de tanta alucinação
Tem malucos por todo lado
E padres sem pedir perdão
Precisamos de nos manter alerta
Mantendo o respeito pelo próximo
Tem gente que se acha mais esperta
E convencida é o máximo
José Gomes Ferreira
Onde tiver um sorriso haverá Primavera
E podem voar as andorinhas nos ombros do olhar
À medida que espalham o azul que pinta o céu
E o aroma que solta o florescer da estação
Onde tiver esperança haverá Primavera
Haverá um lar em cada beiral aquecido
Gente que cruza a rua para chegar ao seu destino
E um brilho que redobra a perspectiva
Onde tiver um bom coração haverá compaixão
Haverá sabor a rapadura com café a gosto
E os beijos são votos em silêncio que escolhem melodias
Sem que o movimento perturbe o voo dos sonhos
José Gomes Ferreira
Não é uma questão de paladar ou razão
As pétalas soltam-se com o tempo
Não crescemos como rochas
Nem com petardos na consciência
Viemos de uma nascente de água pura que se dilui
Somos crescidos nas vivências
E nas escolhas que nos multiplicam
Pensamos tratar o amor por tu
Como quem cuida e se espanta
Representamos a vontade por cima
Como quem domina as decisões
Andamos sempre a correr e a aprender
Como garra de leão em campo aberto
Vemos televisão por repetição
Como quem tem medo de escolher outra vida
José Gomes Ferreira
Range a porta e o ferrolho
Rangem os dentes e as oculares
Range a memória e a abertura da torneira
Range a luz sobre os ossos verticais
Só não range a abertura do coração
Lacrada com a omissão da pressa
Só não range a lotaria de milagres
Fascinada pelo mistério da vida
José Gomes Ferreira
Felicidade é ter pão na mesa
E ter sempre alguém no cais que nos espera
Felicidade é chamar amor à coragem
E abraçar a luz em acção recíproca
Felicidade é ter saúde
E ter na amizade a força das barreiras
Felicidade é não desistir
E escolher a verdade para fugir à rotina
Subir ladeiras quando todo mundo usa o escorrega
Felicidade é escutar quem cuida do nosso descanso
José Gomes Ferreira
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