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A delicadeza é a paz da realização
A soberba é a letargia do medo
A ansiedade é a bestialidade da consciência
Para quê tanta competição se temos o destino traçado
E a felicidade é maior perante o que conseguimos agregar à nossa volta
O gosto pela vida não vem dos espasmos metafísicos do orgulho
Nem do contributo para a acumulação da miséria humana
José Gomes Ferreira
Tão frágil e de verdade
E as vozes do povo sem se calar
Faz vênia à humanidade
Numa luta sem parar
Chamavam-lhe nomes
Ela mostrou ser superação
E que mesmo os pobres
Têm direito à paixão
Leva a vida com orgulho
Chamou o amor para companheiro
Ignora a desigualdade do barulho
Quer sorrir por inteiro
Traz a esperança no peito
E a legitimidade no presente
Merece a felicidade pelo que tem feito
E no caminho que tem pela frente
José Gomes Ferreira
*dedico à minha sobrinha
O rapaz com a proposta
Vai certo da sua decisão
No orgulho de quem conquista
Não escolhe outra opção
Acena para os lados
Até que pára e buzina
Não liga a maus olhados
Conhece quem dobra a esquina
O rapaz das florestas
Em nada se atrapalha
Gosta de ir a festas
É ele que espalha a borralha
É jovem e cheio de gana
Tem a energia da vida
Nesses momentos que acena
Não dá a tentativa por perdida
O rapaz que se move
Aprendeu a decidir
Mostra que mesmo sendo pobre
Tem um longo caminho a seguir
José Gomes Ferreira
*dedico ao meu sobrinho
O coração é o espelho do mundo
Os olhos são o espelho da alma
Mas se queremos observar a fundo
Não podemos perder a calma
Quantas vezes a pressa atrapalha
E outras a ansiedade é prejuízo
Todos criticam quando se falha
E especulam sobre o nosso juízo
A vida chama-nos à razão
Nos acertos do caminho
Pondera a dose de emoção
Equilibra os movimentos de desalinho
José Gomes Ferreira
Esquecemos o paladar das conversas, as palavras surgem como que em um menu com batata frita e refrigerante. Podería dar-se o caso da simplicidade atingir o âmago das convicções e relações, mas é tudo pré-preparado e comprimido, alinhado com a infertilidade de ideias, sem chamar a originalidade e complexidade às escolhas diárias.
O próprio é uma narrativa do lucro e das vantagens. Não tem sentido que dure quando o destaque é o conforto das relações e a satisfação por mostrar o outro lado do espelho. Os amantes já não se amam, mostram-se no contentamento da aceitação social. A própria entrega do corpo é diluída no prazer da felicidade do instante. Já não se percorrem continentes ou a estrada empedrada. A caminhada é pela celebração dos instantes, pouco importa o regalar dos olhares.
Esquecemos também a que sabem os beijos no adormecer que corre a ansiedade das madrugadas que não chegam. Talvez seja síndrome da idade ou das mutações do mundo. Não adiante mostrarem o horário do Festival da Canção. Dilui-se o significado das vozes e da exclusividade televisiva. Andam a semear ecrãs no desfile dos tempos livres.
Tudo se reduz a conversas sobre economia e protagonismo político, como se a brisa fosse sinónimo de encanto e paradigma. E os rios além de água fossem o escaparate de prateleiras de supermercado. Andamos a copiar a fantasia do sucesso, como se a felicidade fosse um estalar de dedos e uma consequência da fartura materia. Um dia a realidade crua chegará ao comentário e expectativas, até lá seguimos pelo impulso da semelhança, com dificuldade em interpretar o privilégio e aceitar que equilíbrio não é justiça.
Vagueio por tensões temporãs
Até acordar no Atlântico
Levo o coração para onde tem escuta
E agasalho nas condições recíprocas
Não faz sentido se me repito
E se o sonho é conforto
Num teor de etapas e causas
Somos felizes na realização colectiva
A partir do sublime regaço gestante
Sem mostrar o que fazer
Sei quando a verdade encandeia
Mesmo no sentimento que vive distante
A surpresa está no correr dos dias
E embarque no cais da imaginação
Tem amor que engana
Tem amor que ilude
Não deixa ninguém no lugar
Pode incendiar-se
E voar por aí sem se ver
José Gomes Ferreira
O vento não surpreende as mãos frisadas
E o rosto destacado na curta barba
O Sol de Inverno empalidece as farturas
Só não acentua o tom na pele vestida
O olhar percorre a névoa que por vezes oculta a alma
E deixa a melancolia cercada nos contornos das serras
As ruas chegam a parar, sem vivalma e suspeição
O coração bate no corrimento forte dos pensamentos
As próprias aves concentram-se nas árvores de cultivo
Uma vez por outra circula um carro em inversão
E um qualquer tractor a esconder o abandono da agricultura
Quem mais ganha voz são os galos da madrugada
Não se escondem da brisa e da escuridão
Tudo mais o silêncio alcança no sortido das horas
Portugal deixa fugir a saudade do campo sem nunca acenar no adeus
José Gomes Ferreira
Nas aldeias habitam seres fantásticos, divindades escondidas no coração de gentes. Devoções de comunhão e simbologia de pertenças. Olhares franzinos com semblantes nos escaparates. Corações com o brilho da nostalgia e de laços nem sempre presentes. Mãos livres marcadas pelos calos da trajectória e audiência. Rugas de vidas circulares, muitas com voltas ao mundo, ousadas no enfrentar das dificuldades, retraidas na expressão de sentimentos. Cabelos brancos a lembrar fios de água em madrugadas estivais.
Nas aldeias habitam seres fantásticos, figuras encostadas à liberdade e à inspiração. Corpos em movimento, construções de luz suspeitas da narrativa. Livros escritos na dureza do clima e do solo. Orações pela manutenção do equilíbrio e dispensa. Rostos e teimosias ajustadas no carácter e personalidade. Cicerones orgulhosos do lugar e da simplicidade das preces. Territórios de gente que perpetua a sabedoria e se transforma em legados para a história. Mas também metamorfoses escostadas na imperfeição que romina as conversas e espreita nas janelas. Vozes e piscadelas a impor padrões e a revelar insatisfação na convergência.
José Gomes Ferreira
Deixo a alma sobre o restolho
E a luz sobre o semblante dos anos
Não corro mais no heroísmo
Deixo o solo livre da fragmentação
Selecciono enxertos e rebentos
Travo a letargia dos atrasos
A vida traz razões para florescer
E dar continuidade a gostos reais
Falta saber se falta a segurança e o salário
E se a saúde dá razões ao amor
A sequência necessária às gerações
E a ofegante incerteza das noites
José Gomes Ferreira
Espreitei-te na ida para a Igreja
Sentei-me ao teu lado no bar
Ofereci da minha cerveja
Perguntei se estava a perturbar
Foi num dia azarento
Que até o Sol se escondeu
Estavas tu a soprar ao vento
Quando o clima aqueceu
Estava um gato a miar
E os pensamentos de pantanas
Sonhei que estava no Lumiar
Tinha ido ao Carnaval de Canas
Tirei os teus pontos pretos
Desenrolei os cabelos cacheados
Fui buscar figos secos
Protegi-te dos maus olhados
José Gomes Ferreira
Quarta-feira de Cinzas lembra as trevas
A Igreja nunca aceitou o Carnaval
O jejum é parte da punição dos fiéis pelo pecado
A Ressurreição é do Ser, não da narrativa da culpa
Nada muda nos dispositivos de comando e controle
Permanece uma moralidade fétida e interesseira
Outrora os ricos pagavam a bula para comerem carne
Os pobres eram seguidos na obrigação da norma
O povo dizia que Nosso Senhor encarnou, mas não empeixou
O problema é que desabafo nunca encheu o prato de comida e não é demonstração de novo rumo
A fé não deve ser capturada por interesses de classe
José Gomes Ferreira
Coração de aço
Orgulho da multiplicação
Diz-me o que é que faço
Para superar a tradição
Coração tão duro
Frágil ao abrir
Porque te julgas puro
Se me levas a partir
Coração ao natural
De sentimentos nobres
Ages como um animal
Quando observas os pobres
Coração reluzente
Tu que buscas companhia
Sonhas com paixão ardente
Mas ficas pela simbologia
José Gomes Ferreira
A guerra é uma ignóbil decisão
De políticos arrogantes
Que confundem poder com tesão
E ainda se acham gigantes
José Gomes Ferreira
A verdade está posta
E o brilho faz faísca
Aceito a proposta
O amor está na lista
Respiro ofegante
Na pressa de te ter
Sou peão andante
Silêncio a esconder
A escolha é nossa
Faremos par nessa dança
Não podemos fazer vista grossa
Quando se trata de esperança
José Gomes Ferreira
O que hoje não importa amanhã marca
A diferença não é só de padrão
Tem quem se orgulhe da posição
E coloque a cor no destaque da inteligência
O que hoje não toleramos amanhã divide
Os deuses não procedem a rupturas
Não tem entradas selectivas no céu
Nem a terra dissolve o corpo pelas rezas
O que hoje distingue na reputação amanhã será pó
O ser existe para além da materialidade dos dias
Glória não é consumir para elevar o espírito
E ocultar o carácter que firma a existência
O que atrapalha o desenvolvimento é a arrogância
O hábito de espelhar nos outros o decalque da culpa
Contar com qualquer motivo como salvação
E levar no argumento o azedo da desilusão
José Gomes Ferreira
Defendemos diálogo e escuta
Decidimos o que nos apetece
Defendemos a importância da diversidade
Achamos sempre que a razão está do nosso lado
Defendemos a moral e os bons costumes
Se for a nossa moral e o nosso Deus
Voltámos ao primitivismo dos calcanhares
O que não nos afecta ignoramos
O que questiona os nossos padrões defendemos com unhas e dentes
Precisamos de mais fraternidade e compaixão
Não de soltar os cães sobre quem pensa diferente
Temos dificuldade em aceitar a liberdade fora do nosso quintal
José Gomes Ferreira
Quem celebra o Carnaval sabe bem
Que no calor da festa se consegue tudo
Que se usa o riso, a brincadeira e o desdém
Sem esquecer que a graça do Carnaval está no Entrudo
O Entrudo é a tradição milenar
De enfrentar demónios em festa
Não se trata de prender o noivo ao altar
Nem de esconder na máscara a besta
O Entrudo é uma fantasia do povo
Que merece todo o nosso respeito
Nele deve participar o velho e o novo
E o homem pode até fingir ter peito
José Gomes Ferreira
És água fresca e olhar que sacia
Nascente e luz de tanto querer
És verso cantado e melodia
Desejo ardente e medo de sofrer
O teu corpo é de uma sereia
A tua pele é toque e carinho
Ponto de contacto e fim de ceia
Brinde com selecção do melhor vinho
És utopia e grande impulso
Charme de mulher que enfeitiça
Força de braço e relógio de pulso
Curva do vento e motivo de cobiça
José Gomes Ferreira
Enxugo a verdade com a terra
Esfrego os sonhos no peito
No sopro do vento cai o orvalho
E as flores clamam por cuidado
Sigo para onde tiver gente
O diálogo é de paz nos dias
A corrida é pelo futuro
Não corro atrás de máscaras
O Sol de inverno é quieto e belo
O azul do céu abre-se na surpresa
À noite as serras definem os contornos
A Lua junta-lhe o serpentear luminoso das aldeias
José Gomes Ferreira
A luz que aquece também ilumina
A amizade que fortalece também escuta
O caminho que desvia também traça metas
O amor que conforta também constrói
O pão que alimenta também agrega
A solidariedade que acode também motiva
A água que molha também sacia
José Gomes Ferreira
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