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São os laços, são as escusas
É o que se pode fazer depois
É a inspiração no corpo das musas
A verdade à frente do carro de bois
A beleza marca as escolhas
E deixa aberta a imaginação
As ideias são o silêncio de velhas
E podem gerar muita tensão
Andamos com os sonos trocados
E com os valores invertidos
Preferimos amigos a namorados
E coligações a bons partidos
Um dia a bomba rebenta
E a sociedade entra em guerra
Teremos de beber água barrenta
E escolher os humanos da Terra
José Gomes Ferreira
Naquele tempo os dias corriam lentamente
E as palavras pediam permissão
Quando não eram ordens para se realizar uma tarefa
Os rios escolhiam o abraço das ribeiras
No serpentear dos pinhais que favoreciam as margens
Naquele tempo a escola era um universo deslumbrante
No desenho das letras os professores completavam a disciplina
No recreio testávamos o tímido atrevimento
Os dias pareciam movimentos da brisa rupestre
Com vozes escondidas nos alpendres a falar às andorinhas
Avós à nossa espera para engasgar a leitura numa carta chegada de França
E as ruas graníticas recebidas por rebanhos de ovelhas
Naquele tempo as mulheres lavavam a roupa no tanque
E as crianças estendiam as peças sobre os muros
Imitando as brincadeiras que lhe fugiam à idade
Naquele tempo felicidade significava pão e amparo
José Gomes Ferreira
O rio não leva apenas água na corrente
Leva energia para gerar
Leva pão para muita gente
E muitas vidas para organizar
O rio não se mexe apenas levemente
Arrasta poluição e bens
E assume corpo de serpente
Quando lhe pedem três vinténs
O rio não é apenas barreira
É motivo de grande beleza
E o facto de ser fronteira
Permite espalhar mais beleza
José Gomes Ferreira
Os laços de sangue são uma prisão visceral
A amizade acompanha a vontade do universo
E une o credo à reciprocidade continua
Não adianta idolatrar a monogamia parental
Se não se cumpre a sequência dos genes
E o destino do que realmente nos acolhe
Os amigos são quem nos leva em ombros se necessário
São as estrelas com a luz que indica o caminho
Tudo mais são códigos e condutas sociais
Narrativas sobranceiras sobre a inversão do impulso
E sobre os padrões que tanto guiam como reprimem
José Gomes Ferreira
Estou longe de ser perfeito e justo
Ainda que essa seja uma busca diária
Que necessita ver a luz do dia na reciprocidade
E no diálogo pastoso de quem quer chegar a acordo
Entristece-me a falsa justiça da emergência atemporal
Dá ideia de que a vida somente custa a quem repete a narrativa
E que quem partiu tem o futuro resolvido
Estranho a arrogância de quem não agradece
E acha que não fizemos mais que a nossa obrigação
Aqui se colocando geralmente os mais próximos
A família é a principal utopia de concórdia
Quantas vezes os nossos não são quem deixa proliferar desdém e pesar
As soluções constroem-se tendo em conta problemas e necessidades comuns
Não por mera conveniência dos atropelos
José Gomes Ferreira
Chamem as andorinhas, tragam paz e esperança
Pintem o céu de azul e o horizonte de liberdade
Encham os beirais de nascimentos e vida
Sintam a alegria do reencontro e do deslizar das poucas nuvens
Chamem as andorinhas, tragam o rosto da Primavera
O brilho que estabelece a felicidade e fortalece
O florir dos jardins e a varredura das ruas
Chamem as andorinhas, tragam fruição e boas energias
Sintam o calor a deixar para trás a letargia
E o cumprimento a não ter medo das observações
Chamem as andorinhas, tragam sentimento
E não coloquem mais barreiras ao amor
José Gomes Ferreira
Se fosse um baile haveria comida
E os corações seriam capazes de sorrir
A música seria do bater do sangue nos auriculares
E os gestos seriam para escolher as mãos no rodear dos corpos
Os passos de dança seriam simples e tocados de movimentos no solo
O olhar seria permitido pelo encanto das melodias
E pela sedução das estrelas no aproximar das virtudes
Se fosse um baile haveria ondas do mar
E jangadas com a luz dos pescadores a cruzar a esperança
A ternura estaria na espera nas mulheres
E no pão de cada dia ganho no resultado da faina
Se fosse um baile haveria amor
E pouco importaria o bisbilhotar dos mirones
O sentimento iria se sobrepor à fantasia dos desalinhados
Se fosse um baile haveria a vitória da comunidade
E a festa seria para celebrar a fraternidade e o convívio
José Gomes Ferreira
Gosto dos sorrisos de inverno
Têm o calor que falta à emoção
São ganhos que derrerem os campos de geada
Vozes que se soltam apesar dos cristais
Gosto de gente que sonha
Sem ter de expor a melancolia
E muito menos a soberna da experiência
Gosto dos pontos nos is
Um cálice de Porto por amizade
Sem calcular o subsídio ou o interesse
Gosto do ventre nutrido da terra
E do aroma pendular a chamar a fartura
Gosto do amor repleto de beijos e ternura
Do paladar das manhãs com o aroma conjunto
E da simplicidade do sonho de oportunidade
Gosto do silêncio da floresta
E da interrupção da constância notória
Dos corpos nus rebolados na intimidade
E do horizonte sem fim a acompanhar a esperança
José Gomes Ferreira
Dão-nos murros no estômago
Fazem convites para que se abandone o país
São peritos em sapatadas, multas e vigilância
Deixam os mais vulneráveis ao abandono
Temos estradas que são crateras
O acesso à saúde e educação é penitência
A lembrança dos eleitores dá-se no momento do voto
Andamos a inverter a cidadania por culpa das prioridades e da corrupção
Pedem sacrifícios ao povo, mas são bajuladores e requintados
Os luxos não se coadunam com a fé
A fé é de cada um, a despesa é pública
A glória é para os bons gestores, heróis míticos escondidos na história
Os políticos apenas querem protagonismo e votos
O estado é laico, o dinheiro é uma benção para a cobiça
José Gomes Ferreira
Lá no Norte o mercúrio substitui o alimento
E a fome não enche barriga
O garimpo atravessa as aldeias
E a saúde das populações é esquecida
Lá no Norte contaminam-se os povos da floresta
E o mundo assiste ao regozijo do capital e do ódio
Homens, mulheres e crianças tombam com a força do massacre
E ao silêncio da invasão que consome as terras
Que arrasta o mato na destruição e mistura as águas com veneno
O homem branco acena com o progresso
Mas lá no Norte só a morte progride e nem se fala na exploração
Lá no Norte o amor ancestral chora o fim da civilização
E a política escolhe narrativas para esconder as lágrimas
Lá no Norte tem gente, povos de sangue nas veias que misturam natureza e dignidade
Os Yanomami merecem a nossa atenção
José Gomes Ferreira
*este Norte é a região Norte do Brasil
O vento gélido de Norte abana as laranjeiras
Sacode as convicções e deixa na pele um frisado cortante
Como gume que separa as intenções da elegância da saudade
Ao Sol o rosto brilha como figuras públicas
Ressalta as tonalidades e os anos que foram de juventude
À sombra até o cabelo inverte o movimento e o nariz pinga sem vergonha
Nos caminhos os grãos de areia marcam os passos
O som estridente do contacto alerta a natureza
Fora disso não se escuta vivalma nos campos
O único ruído é das cores fortes da estação
Do bailado entre os tons carregados de azul e verde do céu e da terra
Apenas pequenos pássaros sobrevoam o horizonte e depenicam o solo
Na horta escondem-se lagartas e caracóis
Deixam a sua assinatura nos vegetais e no prejuízo
Nas ruas as conversas são mais curtas, não vá o frio paralisar as palavras
Quem bate forte é o coração, aguarda sempre noticias, mesmo sem definição de remetente
A paz da aldeia acomoda-nos ao ciclo da vida
É a atracção do lugar pela busca de paz e observação do infinito
José Gomes Ferreira
A distância dá corpo à memória e à saudade
Estimula a imaginação a recriar a felicidade
A percorrer sonhos e meta-universos
A distância é também uma descida ao subsolo
Vamos ao fundo do poço quando o abraço é uma miragem
Vamos ao fundo do argumento quando precisamos de beber água da nascente
A distância pode ser o caminho da lucidez
É também aquele em que o coração bate mais forte à procura de saídas
Distantes trazemos a infância no peito, tal a presença das nossas vivências
Distantes secamos as lágrimas no choro que conforto
Distância é saber, força e aprendizagem
É saber sobretudo no valor que aprendemos a dar às coisas e às pessoas
José Gomes Ferreira
Que caminho é este que não tem saída
Que luz é esta que não tem brilho
Caminhar amarga no jeito da partida
Brilhar reflecte o encanto dos pais pelo filho
Anda tudo tão mudado
Nos padrões que a vida tinha
Antes sacrifício era fado
Agora o comboio não circula na linha
Só o amor resolve a crise da existência
O amor, a poesia e a esperança
Salva-nos também a ciência
Livram-nos de tanta falta de confiança
José Gomes Ferreira
Tenho um sonho contigo
Uma vida para viver
O despertar em silêncio
A voz pura do coração
Tenho tudo para te dizer
Sobre a sorte e o enlance
Como ser feliz em sentido
E deixar os dias acontecerem
Tenho tanto para dar
Noite e dia sem esquecer
De ti espero paixão
A luz que ilumina o ser
Tenho tanto de saudade
Que o corpo não tem frio
Enrola o peito ao sentimento
Vê ao longe as ondas do mar
José Gomes Ferreira
Amor farrapo
Amor vendido
Amor de sapo
Amor perdido
Salta de cama em cama
Vive de promessas
Julga até que ama
Vê o sentimento às avessas
Amor para mostrar
Paixão para viver
Motor para acelerar
Necessidade de sobreviver
Amor eterno
Utopia de relação
Calor em pleno Inverno
Conforto como emoção
José Gomes Ferreira
Percorro caminhos e espaços vazios
Terrenos cobertos de mato e ausências
Gravo o som dos meus próprios passos
As imagens fracturantes pouco importam
É o compasso que fica na eloquência
Percorro as minhas próprias vivências
Locais por onde me fiz cúmplice
Horizontes outrora de vista cheia
Agora apenas vejo cortados os contornos
O rosto da natureza sobre o meu semblante
O coração continua a bater de sentimento
E pela saudade das promessas da imaginação
Os trilhos marcam alguns rodados
José Gomes Ferreira
Éramos felizes nas brincadeiras
E com o pão a sair do forno
A gastar os sapatos no empurrar da corrica
A provar a broa quente mal entrava em casa
Éramos felizes a britar os pinhões caídos das pinhas mansas
E a subir às oliveiras para apanhar a azeitona
Éramos felizes na aprendizagem e na simplicidade
A pureza definia a descoberta das relações
A humildade resultava do trabalho e do respeito
A imaginação e a amizade marcavam os laços
Eram o grande motivo para reinventar a felicidade
Éramos felizes sem disputas de maior
Os dias de trabalho eram duros, mas não faltava tempo para o sonho e divertimento
É certo que as condições para estudar e estar motivados eram mínimas
A nossa ambição não fugia do campo de milho ou da eira
O nosso mundo era do tamanho que a vista alcançava
José Gomes Ferreira
Escrevo em formato "água da fonte", mas o sentimento e posicionamento são idênticos. Pelo interior, igualmente o interior da existência e escuta do silêncio, tenho mantido alguns diálogos sobre a ruptura e o destino, isto é, sobre a crise civilizacional, com uma profunda crise de confiança Estado-sociedade e na própria confiança interpessoal. São conversas de circunstância, que também fazem falta. As redes sociais transformaram-se um escotilha, a lembrar o panótico de Bentham, em que as pessoas estão mais interessadas na expiação da vida alheia que na exposição de pontos de vista.
Não chegamos a conclusões, apenas que a principal corrosão tem visibilidade na política e na economia. O dinheiro compra tudo. Mas nem sempre é a riqueza que comanda, pode ser a falsa ideia do prestígio de determinada posição social. A crise geracional é também uma crise das instituições que outrora davam encaminhamento moral. É obviamente um contributo para a vitória do individualismo e da tentação do ego. Sem amor e sem instituições de suporte é o salve-se quem poder.
Não sendo debates enquadrados não chegam a ser diagnósticos e não trazem ideias com soluções milagrosas. Na verdade não existe soluções milagrosas, não se trata de carregar no botão e resolver tudo. Também não adianta dizer que antes é que era bom. Camuflar liberdade com obediência é chamar felicidade à pobreza.
Precisamos recuperar essa confiança perdida e trabalhar a cidadania e os vínculos institucionais. A fraternidade é estimulada na tragédia, mas depois ganha a indiferença. É necessário gerar confiança dinâmica. A poesia, a cultura de forma geral e o desporto associativo são bases para reforçar a pertença. A identidade local é o apelo ao coração, temos a base, é necessário aproveitar tudo e alargar essa dinâmica a uma visão de território e de desenvolvimento. Para tal é igualmente importante entender o que é território, que não é de todo o mapa administrativo, mas sim as pessoas na integração histórica, económica, social, climática e condições naturais características.
É um debate para continuar, em parte como aprofundamento académico e em parte como responsabilidade social e gosto pessoal. Não é um momento propício na ligação profissional, que me momento é voluntária e preciso ganhar a vida, mas é difícil ficar indiferente ao descambar sem participar no equacionar de caminhos.
Não se trata apenas de trilho e obra do destino
É emoção, reacção e crença
Nos anos percorridos chorei muito pelas perdas
Mesmo que por vezes escolha a alegria de contemplar o horizonte
Ainda hoje o meu coração bate com falhas a deflagrar partidas forçadas
Incrédulo com a aceitação da subida das almas
E a espreitar a resignação da força do ciclo da vida
Talvez esse seja o traço que mais marca o meu silêncio e reforça a beleza que é manter viva a memória
Sem esquecer a interrupção da interacção e pertença
Mas reforçando as raízes e fundamento dos vínculos
Também já chorei pelas ausências
Senti a distância dos afectos e laços
Deixei cair lágrimas de saudade
Quis abraçar e apenas mantinha a força
Quis admirar o bem que me faz o contacto directo e apenas tinha imagens
Chorei a rir e a lembrar
Como rua e valeta unidas
A chamar a felicidade e a manter do sonho a miragem
Senti igualmente a dor das rupturas
Vinda da aceitação de erros e decisões
Sem direito a adeus
Apenas com permissão para cada um continuar o seu caminho
Hoje também me comovo com a incerteza
Certo de que sem história, sem luta e sem amor somos invisíveis
José Gomes Ferreira
Para quê tanto embaraço
E tanto que fica por dizer
No jogo do gato e do rato
O que se oculta perde-se em prazer
O orgulho é obstáculo
Para quê tanta gente de trombas
Se empatia gera empatia
E uma simples salva gera felicidade
Viver em revolta não é solução
A fraternidade é mais do que um anúncio
Não custa nada ser amigo na escolha
E deixar para trás a altivez que atrapalha
José Gomes Ferreira
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