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Amor é o que destino sugere
Relação é a correspondência que alcançamos
Sentimento é o afecto partilhado
Reciprocidade é a vida que faculta
Depende do gosto, respeito e cooperação
Amor como paixão não é utopia
Porém, corre o risco de passar rápido
Ser mera ressaca da atracção
Podendo ser igualmente a luz desejada por muito coração
Amor por arrasto é comodismo
É mero encosto familiar dos amantes
Amor com amizade cumpre todas as virtudes
Precisa ser construído no quotidiano
Amar não é só da boca para fora
É escolher o destino sabendo que não é apenas o nosso
Amor não é um projecto, é uma vivência que dá frutos
José Gomes Ferreira
A Páscoa na minha aldeia não termina no Domingo
Os dois dias seguintes sempre foram motivo de festa pagã e religiosa
Entre as tradições do povo e o proclamar da Ressurreição sempre teve uma linha tênue
Outrora os grandes arraiais atraiam milhares de visitantes
Eram tardes e noites de glamour que não se repetem
Era assim que o povo se divertia e reencontrava
Infelizmente destas festividades resta a memória e algumas imagens
A Segunda-feira continua a ser usada para o beijar da cruz
O chamado compasso em outras localidades
Esse momento era particularmente emotivo já que juntava familiares que vinham para o baile nocturno
A mesa poderia ser simples, mas tinha sempre queijo da Serra da Estrela e pão-de-ló cozido durante a semana nos fornos da aldeia
Na Terça-feira celebra-se o dia da padroeira, Nossa Senhora da Tosse
Após a missa a saída da procissão pelas ruas da aldeia exorta à identidade e brio pela pertença
O cortejo é sempre acompanhado por uma banca filarmônica da região
Diversas mulheres carregam oferendas para leiloar no final
Ainda se podem ver algumas janelas do percurso engalanadas a preceito
O leilão realizado no final é um momento ímpar
Simboliza também a gratidão face ao que a Natureza pode dar
E como se reencontram crenças e esperança nos laços entre os habitantes
José Gomes Ferreira
Nos últimos dias o corpo decretou paralisação geral
Os sentidos saíram da rotina e da compreensão
O corpo fez um esforço para não abdicar do movimento
A comida começou por ser um traço de rejeição
A tosse repetida não se escondeu
A imaginação deixou de voar e encontrar a memória
Só o silêncio da alma se escuta na incapacidade de locomoção
A escrita atrasou-se nas etapas a cumprir
De um momento para o outro ficamos tão frágeis sem saber como
Algo tão pequeno e imponderável deixa-nos sem forças
Mesmo que a vacina fosse uma prioridade
Tudo faz parte da existência, o que importa é a superação
José Gomes Ferreira
Não forcem as minhas atualizações
Nem a minha necessidade de informação
Não me ofereçam soluções fáceis
Nem me mostrem os atalhos
Irritam-me os modernismos
A vida presa nos resultados das máquinas
Ensinem-me a desligar a inteligência artificial
E a encontrar pessoas com encanto natural
Não me apresentem conclusões sem saberem como fizeram
Não quero casas começadas pelo telhado
Nem relações com início na paternidade
Tudo tem o seu tempo e momento
Eu gosto de conhecer como as coisas são
Gosto de duvidar e caminhar
O facilitismo expõe o fetichismo do sucesso sem esforço
Eu quero suar, beijar e amar
Não quero pressionar nenhum botão e ter tudo disponível
José Gomes Ferreira
Tem muita gente selecta
Que gruda em poltrona de avião
Pensa ter categoria para atleta
Quando ainda é apenas embrião
A vida é feita de muitas escolhas
Não podemos fingir se não chegamos a ser
O facto de se ter muitas folhas
Não significa que temos muito para escrever
Tem muitos que pensam que se vão salvar
Por levarem a vida avantajada
Só que a prioridade não for amar
Tudo mais não vale pouco ou nada
Corremos tanto para sermos iguais
Que qualquer semelhança é atropelo
Uns são ricos e outros intelectuais
Uns são carecas e outros têm cabelo
José Gomes Ferreira
Nunca aderi ao celibato
É uma condição temporária
Em boa verdade nunca aderi à fé
Muitos menos aos ditames da conversão
Também nunca aderi à multidão
Estou no meio dela para sobreviver
E reconhecer o silêncio na melancolia da saudade
Nunca aderi à mordomia
Mesmo que não use a linguagem da revolta
Nunca aderi à moda e ao gosto dos outros
Não sacrifico a minha sensibilidade e imaginação
Nunca aderi à antipatia
Fujo da reflexividade das frustrações
Nunca aderi à violência e ao ensaio das armas
Acredito no diálogo e capacidade de construção
Nunca aderi às facilidades que me dizem existir
Sigo obstinado diante dos desafios
Aderi ao Sol, à Lua e a todos os encantos da natureza
Pois essa é também parte de mim e eu dela
Aderi à esperança, empatia e subtileza
Nelas está o poder de reconhecimento e transformação da Humanidade
José Gomes Ferreira
Chego a olhar para saber as horas
O calendário da vida não pára
O meu coração escolhe a adolescência
O corpo faz fincapé nas marcas da idade
Acho tudo no contexto preciso
Além da maturidade dos sentimentos e reflexões
Após 60 anos a leveza atinge o seu estatuto
Parece que atingimos a vida eterna
O ponto de viragem que não beneficiou os antepassados
Ainda sentimos viver em plena juventude
Mesmo que aparato e aparência tragam outra realidade
A beleza do envelhecimento está na consciência do caminho
E na felicidade de muitas conquistas
A rebeldia é a do argumento e realização
O sonho e a luta continuam presentes
Mesmo que o amor seja uma virtude dispersa
A observação e o silêncio são um bilhete para o equilíbrio
As únicas corridas são as do riso da alma
José Gomes Ferreira
Silêncio é consentimento
O princípio aplica-se a tudo
À repressão dos estados sobre os cidadãos
Ao egocentrismo dos agiotas e dos totalitários
À destruição da natureza
À violência de género, política, religiosa e de raça
Ao devaneio de vizinhos e similares
Precisamos sempre de reagir, o que não significa desordem
Não podemos simplesmente cruzar os braços
E aceitar como atenuante o argumento "Ele é assim, deixa para lá, dá-lhe desprezo"
O silêncio por resignação fere gerações
Deixa rostos marcados e medos prolongados
José Gomes Ferreira
Tantas vezes o amor é um rótulo de classificação
A utopia clássica em que ambos vivem felizes para sempre
Sem que se experimentem no quotidiano e no desejo
Sem mesmo que se encontrem na existência fora da idolatria do romance
Fora da individualização do sonho e das representações sociais
Esse é um amor de fantasia e anseio
Não se pode concretizar sem espelhar o outro
Sem reconhecer o outro na alegoria do sentimento
O amor é mais do que a narrativa das sobrancelhas
O piscar do olho à imaginação e ao empurrar cósmico
Necessita de se alcançar através do afecto e da reciprocidade
O amor não é o que eu quero ou o que tu idealizas
Também não se reduz à formalização do enlace
Amor é sentimento baseado no vício da sintonia
A soberania da vontade expressa na sedução dos gestos
O prazer, o fluir e o cuidar em concluiu com a felicidade
José Gomes Ferreira
Sou natalense nascido com 51 anos
Sou paraibano nascido com 59 anos
Não renunciei à minha identidade e laços de sangue e afecto
Nasci de parto natural na minha aldeia
Fiz-me gente junto dos ancestrais
E no labor da vida em transformação
Guardo amizades sólidas junto da família
O meu coração não deixou a Serra da Estrela, nem o serpentear do rio Mondego
Também não deixou as lajes e as ruas de granito
Nem abandonou a memória e a saudade
Cresci quando cheguei ao Nordeste
A cada dia refaço-me nos desafios e contrariedades
Voltei a ter esperança na Humanidade e a querer salvar o mundo
Talvez sonhe para além da utopia capitalista do lucro
Aprecio a generosidade da transcendência
A luz solta por quem não tem nada, mas multiplica-se
E abraça de lágrimas a virtude da compaixão
José Gomes Ferreira
Passei muitas dificuldades para chegar aqui
Ainda hoje o meu coração vive em sobressalto na incerteza
Porém, a maior dor é a da incapacidade
É ensinar para alunos que não possuem condições básicas
Por vezes a motivação pode não ser muita
Mas deveremos apoiar o seu esforço
Se chegam à universidade sem nunca terem tocado num computador é porque as dificuldades são maiores
Pode ser inclusive de comida e de integração
Baterei em portas, mesmo estando destinadas a outras prioridades
Gostava tanto de ter condições para os ajudar
Como pode um aluno ler sem expor o texto no ecrã?
Como pode escrever e organizar ideias se ainda usa lápis e papel?
Que inserção profissional vão ter se não lidam com o básico?
José Gomes Ferreira
Tinha uma velhinha quando nasci
De cabelo branco exposto
Sem receio dos comentários
De ossos frágeis e corpo em arco
Era tão velhinha que era livre
Dormia na casa de uma das filhas
Durante o dia visitava as outras duas filhas
Moravam praticamente na mesma rua
Tinha as pernas rijas no andar
Era dura de ouvido na escuta
Representava a velhice singela e doce
A sua presença era venerada
Trazia beleza no rosto e no caminho da vida
Era para nós, bisnetos, a "avozinha"
A mostra suprema do respeito e admiração
Para a comunidade era a tia Maria Saraiva
Uma das ancestrais citadas
Nunca desistiu do seu ir e vir
Mesmo após completar os 90 e muitos anos
Gostava de seguir sozinha, teimava que não precisava de ajuda
Acompanhei-a algumas vezes na sua delicadeza
Guardo em mim toda a paz que transmitiu
José Gomes Ferreira
Se venero grandes feitos e peço iluminação do espírito
A minha oração vai para o universo mágico da natureza
Vai para a crença na Humanidade
Assim como vai para o maior edifício do coração e do pensamento
A memória da vida vivida e os antepassados
Os nossos ancestrais são a base da nossa existência
Não apenas da cronologia dos acontecimentos e impulsos
Mas todos os sentimentos, valores e crenças
Isolamente sou um corpo físico e um registo
Como ser construído sou a carne, a voz, as lágrimas, o riso, o amor e o jeito de quem se cruzou comigo
Sou o pecado, o perdão, a energia, a abnegação, a empatia e a fraternidade
Por isso as minhas preces não são de solicitação
Se rezo é para fazer chegar toda a gratidão para além dos céus
José Gomes Ferreira
A distância é sempre tentação
O frenético espectáculo da ansiedade
Por isso não acrescento alarido
Escolho o silêncio perpétuo da perplexidade
Evito também manifestar-me
Correm os dias como maré
O calor atravessa as frestas
E deixa tombar o corpo de lamento
Não me exponho e nem me escondo
Evito o disfarce da realidade
Assim não fogem as preocupações circulares
Nem o reboliço nocturno da idade
Talvez deva prometer uma ida a Fátima
Quem sabe acreditar nas histórias do regime
Deixarei a sensatez se tal acontecer
Falta-me a Primavera florida
A que dizem despertar amores
O contraste dos dias nas amplitudes
O canto dos pássaros a mostrar as cerejeiras
Falta-me aceitar as lamentáveis propagandas
E acostumar-me a rejeitar o entusiasmo
José Gomes Ferreira
Tristes tempos os que vivemos
As pessoas odeiam-se na apologia do rótulo
Nas marcas que distinguem homens e mulheres
Nas cores que tornam iguais brancos e negros
Na fé que mostra cristãos e muçulmanos
Nos remendos que classificam ricos e pobres
Na alegria que junta hetero e homossexuais
Na promulgação de juízos sobre qualquer oposto que não seja o próprio
No deboche de quem trabalha e de quem comporta subsídios
Tristes tempos que prendem a imaginação
E esganam a liberdade com posturas doentias
Desmontam a felicidade em apologias
No gosto da serventia de quem desejam rebaixar
José Gomes Ferreira
Escolho o tempo passado
Para mostrar outra luz
Revelar o outro lado
E lembrar o que ainda me seduz
Agora são frases soltas
Setas lançadas às estrelas
Trazidas de tantas voltas
Escolhidas por serem tão belas
São recordações suplementares
Desabafos nocturnos na emoção
Alguns constituem pilares
Resguardos reservados ao coração
Agora o tempo passou
Não ficaram nem memórias firmes
Lembrando o que realmente sou
Na ausência de paixões uniformes
A leitura distante e serena
Não deixa qualquer ressentimento
O que importa é a definição amena
E a liberdade firme do pensamento
José Gomes Ferreira
Se acordo a rir dos meus erros não é castigo
Também nada tem de lucidez de reconsideração
É sinal que estou feliz e aprendi com a caminhada
Indica que me soltei mais na vida
Não torço a orelha para deitar sangue
Para infringir qualquer castigo no arrependimento
Sorrio facilmente na aceitação
A vida corre muito nas circunstâncias
Reagimos em face do que se apresenta
Depois podemos considerar que poderia ser outro o desfecho
Arrependimento seria por não ter enfrentado os desafios
As opções são sempre mediadas pelo estado de espírito
Se lanço uma gargalhada é sinal que agi bem
Mesmo podendo marcar o instante com outra escolha
Mostra que tenho uma história de decisões que revela leveza
José Gomes Ferreira
Na ignorância somos facilmente felizes
Não questionamos nada
Aceitamos as modas e as massas
Somos obedientes e resignados
Aceitamos ser manipulados
Sorrimos ao receber um pedaço de pão
Tantas vezes aquele que resulta do suor do nosso esforço
Pior é que argumentamos na defesa de ideias alheias
Vociferamos em defesa de patrões, políticos e equipes de futebol
Tem que chegue a vias de facto por eles
Na ignorância ignoramos as nossas causas
Vamos para a rua lutar por causas que nada nos dizem
Criticamos as ideologias e a aprendizagem
O investimento em nós foi provavelmente tempo perdido
José Gomes Ferreira
Sobra a memória larga
Como se sempre fosse Verão
O amor que passa não tem pressa
Nem remói mais o coração
As recordações são como setas
Mas que já não acertam nos acontecimentos
O cupido também não as usa
Apenas apontam o que passou
Não existe arrependimento quando lutamos
Ainda que depois se questionem as acções
Por vezes rimos de como agimos
Não necessariamente por erro ou omissão
Nunca estamos prontos para tudo
A novidade tira-nos do conforto da rotina
Surgem desajustes por falta de lugar
E certezas que não questionamos
O amor é mais apressado que a razão
E nem tudo segue a ordem do sentimento
A determinação do interesse marca o ritmo
O resto cabe apenas ao conformismo
José Gomes Ferreira
A luz chegou quando nasci
Algumas ruas ganharam significado
Chegou às casas consoante as posses
Os mais pobres e distantes tardiamente tiveram acesso
À luz de uma candeia não se iluminavam as desigualdades do regime
Também se ignoravam os ratos e as baratas, que tantas vezes rondavam a panela da sopa que acertavam
Muitas ruas eram de terra batida e lama
A Rua da Vala lembrava um caminho rural, pavimentada pelas marcas das carroças e carros de bois
A casa de banho era atrás dos arbustos na Laje Velha ou na fazenda
A água e o esgoto chegaram em meados de noventa
Foram melhoradas algumas ruas a dinamite
A mijoca da criação dos porcos corria por onde se punham os pés
É verdade que nada se desperdiçava
O higienismo alimentar e a salubridade acabaram com o porco, a sua carne era a base da alimentação familiar
A roupa era velha, tal como o calçado
Remendada até não suportar mais nenhum ponto, franzida com o suor das tarefas no campo
Os corpos eram geralmente magros
Tudo se fazia a pé e não se deitava comida no lixo
Carne de galinha ou de vaca eram um luxo em caso de doença
José Gomes Ferreira
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